[Resenha] O seminarista - Bernardo Guimarães
Sinopse:O Seminarista narra o drama de Eugênio e Margarida que, na infância passada no sertão mineiro, estabelecem uma amizade que logo vira paixão. O pai de Eugênio, indiferente aos sentimentos do filho, obriga-o a ir para um seminário. Dilacerado entre o amor e a religiosidade, Eugênio segue para o mosteiro.
Embora todo o sofrimento da perda amorosa, o jovem dedica-se à vida espiritual e acaba ordenando-se sacerdote. Volta então à aldeia natal para rezar a sua primeira missa. Lá encontra a sua antiga paixão, Margarida, que está à beira da morte. Os dois não resistem ao impulso afetivo e mantêm relações. Em seguida, a heroína morre. Eugênio ao iniciar a missa de um defunto,descobre que aquele era Margarida e assim enlouquece de dor afetiva e moral.Joga sua roupa de padre no chão e sai correndo pela porta principal da igreja. Desesperado.Sem controle. Estava louco.
Apesar de sua dimensão melodramática, o romance apresenta uma das mais
veementes críticas ao patriarcalismo, em toda a literatura do século XIX.
Opinião: "O Seminarista"
Publicado em 1872, “O
Seminarista” foi mais um livro escrito por Bernardo Guimarães. Sendo um dos
grandes nomes do Romantismo brasileiro, o autor da obra a seguir resenhada foi
o mesmo do inesquecível “A Escrava Isaura”. Um aspecto as une: enquanto em “A
Escrava Isaura” vemos uma espécie de amor proibido surgida em meio às amarras
da escravidão no Brasil, em “O Seminarista” o vemos florescer diante de um
autoritarismo proveniente da família e de uma grande influência exercida pelas
instituições religiosas do país.
O livro tem no seu primeiro
capítulo um diálogo entre Eugênio e Margarida no qual o garoto avisa sobre o
se u destino de ser seminarista para, futuramente, se tornar um padre. O aviso
foi dado com grande pesar pela parte de Eugênio, mas o capítulo não fornece
explicações a respeito. Nos capítulos seguintes, o autor explica essa questão.
Eugênio tinha o capitão
Francisco Antunes como pai. Portador de grandes posses de terras, mas não de escravos,
o fazendeiro concedia moradia a vários agregados em sua fazenda. Entre eles,
estavam Umbelina e a sua filha Margarida. Bernardo Guimarães narrou a vida de Umbelina
antes de chegar à fazenda com um grande sentimentalismo, mas sem faltar com a
verdade.
Ela chegou à fazenda após o
falecimento, nas guerras do Rio Grande do Sul, de seu marido, um alferes de
cavalaria. Umbelina e sua filha ficaram em uma preocupante situação de
indigência, e Francisco Antunes, que era amigo do alferes e tinha Margarida
como afilhada, concedeu abrigo à viúva e sua filha.
Para Eugênio, a chegada de
Umbelina ao lar foi um presente. Margarida acabou se tornando uma grande
companheira de infância. Menina encantadora, ela acabou sendo tratada pelos
pais de Eugênio como uma filha. Durante a sua infância, Margarida passou boa
parte do tempo na casa de Francisco Antunes.
Era uma companheira
inseparável de Eugênio. Apesar de inseparável, ela não formava com Eugênio um
casal. Em alguns momentos da história, parecia que ele gostava mais de
Margarida que dos seus pais. Durante a sua infância, eles percebiam que Eugênio
possuía uma boa índole e uma ótima inteligência, atributos que os faziam pensar
que ele possuía grande vocação para se tornar padre.
Contudo, Eugênio custou a
aceitar a ideia de se separar de Margarida. Após ser encaminhado ao seminário
de Congonhas do Campo, Bernardo Guimarães explora as repercussões psicológicas
que isso acarretou ao protagonista da história. E, acreditem, o sofrimento de
Eugênio não foi suportável.
Para muitos críticos
literários e escritores contemporâneos de Bernardo Guimarães ou aqueles que o
sucederam, o estilo de sua escrita deixa muito a desejar. Há um consenso entre
eles sobre o caráter descritivo de sua linguagem. E em “O Seminarista” isso foi
bastante perceptível a mim, que encontrei alguns capítulos inteiros contendo
somente descrições de ambientes.
Contudo, é indescritível o
modo como a escrita do autor me agradou nesse livro. A linguagem por ele
empregada foi bastante simples sem comprometer a sua elegância, diferente da de
muitos autores que o criticaram. Esse fator, aliado ao sentimentalismo
construído por meio dessa linguagem explicam por que essa obra requer tão pouco
tempo para ser lida e, apesar não possuir um enredo de grande complexidade, ele
não deixa de atingir um patamar de excelência para os meus parâmetros.
Com a chegada de Eugênio ao
seminário, Bernardo Guimarães nos conta sobre o quão pungente foi o sofrimento
decorrente da separação entre Margarida e o rapaz de então 13 anos. Ele nos
apresenta o novo ambiente no qual Eugênio conviveria, além de mostrar como
seria a nova rotina do protagonista. Tal como os seus pais previam, Eugênio
mostrou grande inclinação para a vida espiritual.
Contudo, a falta que ele
nutria por Margarida atingia-lhe em cheio e isso o fazia querer abandonar o
seminário para viver a sua vida com a filha de Umbelina. Seus pais certamente
não tolerariam isso. Tanto foi assim que, apesar dessa história ser contada sob
a perspectiva de Eugênio, ele fica sabendo que o convívio da sua família com
Umbelina e Margarida foi reduzido apesar de há que não muito tempo Margarida vinha
sendo tratada como uma filha pelos pais de Eugênio.
À época da publicação da obra aqui resenhada, a terceira fase do Romantismo ainda estava em vigor no Brasil. Sete anos antes, ocorreu a abolição da escravidão em todo o território estadunidense. Com a ascensão da burguesia como classe social dominante nos países mais influentes politicamente da Europa, os ideais de liberdade, incompatíveis com a escravidão, passaram a se disseminar pelo mundo.
Ao longo da nossa História,
diversas revoltas de caráter antiescravista e separatista eclodiram. Todas
foram reprimidas. Diversas transformações econômicas estavam em operação no
Brasil. Com o fim do tráfico de escravos em 1850, a produção de café obteve
grandes investimentos.
O café passou a ter uma
importância crescente no país e a sua produção ocorreu em meio a uma
substituição da mão-de-obra escrava para a livre. O produto não dominava a
economia brasileira, tal como a produção da cana-de-açúcar também não o fez
séculos atrás. A elite açucareira se opunha à abolição, mas diversos fatores
levaram parte considerável de seus representantes a mudarem de ideia.
E sem sombra de dúvidas a
abordagem da temática antiescravista na Literatura foi uma delas. Na terceira
geração do Romantismo, a escravidão foi frequentemente retratada como uma
improbidade moral. A geração possuía um forte foco político e social, tendo
ideias abolicionistas e republicanas.
Contudo, a temática
abolicionista não marcou presença em “O Seminarista”. Como explicar isso? Minas
Gerais, estado onde se passa o enredo dessa obra foi um dos estados com a
presença de maior vulto de mão-de-obra escrava africana. Somente na primeira
metade do século XIX ocorreu a importação de 320 mil escravos.
Essa situação veio a ser
modificada após a proibição de seu tráfico em 1850. A partir de então, a
representatividade de novos africanos na população mineira foi reduzindo.
Naquele período, no qual a produção cafeeira estava em expansão no estado, não
houve uma drenagem da mão-de-obra escrava da mineração para as lavouras
cafeeiras mineiras e o estado passou a importar escravos provenientes, em sua
maioria, das regiões Norte e Nordeste do Brasil.
Em paralelo, naquele mesmo
período histórico Joaquim Nabuco foi a Roma e conseguiu do papa Leão XIII um
pronunciamento anti-escravista. À época, acreditava-se que isso poderia
mobilizar o clero brasileiro contra a escravidão.
Dali em diante, e em
especial quando as revoltas antiescravistas se radicalizaram, a Igreja Católica
passou a defender uma abolição imediata no Brasil. Tanto foi assim que houve
uma grande comemoração de sua parte enquanto a abolição foi promulgada décadas
depois. Isso contrasta com o que ocorreu no período colonial do Brasil.
Quando o Cristianismo passou
a ser professado na Roma antiga, ocorreu um notável progresso no que diz
respeito à consciência civil. À época, a fé cristã resultou em uma intimidade
nas relações entre os cristãos e as entre eles e Deus que destruiu as barreiras
sociais de uma forma inédita. Além disso, a fraternidade cristã unia todos os
homens, independente de seu estrato social, gênero, religião ou de serem livres
ou escravos.
Naquele contexto, o
Cristianismo mostrava uma força capaz de acabar com a escravatura tão logo as
condições sociais de Roma o permitissem. Elas não chegaram. Situação semelhante
ocorreu no Brasil. Com o início da colonização do Brasil por Portugal, os
indígenas foram os primeiros a serem escravizados.
Com a presença jesuítica na
colônia e a lucratividade do tráfico negreiro, a escravidão indígena foi
condenada no Brasil. Os padres defenderam arduamente o fim de sua escravidão e
a sua evangelização. O mesmo não ocorreu com relação aos escravos de origem
africana.
Eles se mostravam
necessários à colonização do país. Tanto foi assim que, durante boa parte do
Brasil Império se defendeu a tese de que um país de dimensões continentais não
seria desbravado sem a instituição legal da escravidão. Diante dessas
circunstâncias, houve uma certa omissão das autoridades religiosas quanto à
escravidão dos povos advindos da África.
Uma das justificativas
estava no fato da escravidão desses povos libertarem os indígenas desta
condição. Outra está em uma teoria de que aqueles povos serem descendentes de
Caim. Também havia a hipótese de que eles não aceitaram se converter em meio às
guerras ocorridas no próprio continente africano.
E as condições econômicas do
Brasil não permitiam a sua liberdade naquele momento. Apesar de tudo, a
escravidão era incompatível com os princípios de fraternidade e igualdade
cristãos, e o início de mudanças no cenário econômico brasileiro aliado à
emergência do movimento abolicionista propiciaram a mobilizaram do clero pela
abolição no momento em que o enredo da obra aqui resenhada se passa.
Somado a isso, temos o fato de que em outras localidades do país a participação da mão-de-obra livre estava se expandindo, como era o caso do Rio Grande do Sul, em cujas fazendas havia uma certa escassez de escravos. Esse foi o caso da fazenda dos pais de Eugênio, na qual o sofrimento promovido pela escravidão não fazia parte da realidade de Eugênio tanto na fazenda quanto no seminário.
Isso pode explicar por que, apesar de a temática abolicionista ser bastante encontrada nas obras da terceira fase do Romantismo brasileiro, não a encontramos em “O Seminarista”. Isso não implica em um completo abandono da estética da escola por parte de Bernardo Guimarães. Muito pelo contrário, as suas características são bem visíveis no romance.
O sentimentalismo que eu
mencionei no momento em que falei sobre as minhas impressões sobre como essa
história foi contada era bem presente nas obras dessa fase romântica. Esse
sentimentalismo costuma se voltar a severas críticas sociais, o que ocorreu na
obra sob as visões de mundo de Eugênio e sob uma forte expressão de suas
emoções.
Essa característica da
terceira fase do Romantismo foi levada adiante pela inauguração do Realismo. Em
“O Seminarista”, as críticas foram direcionadas à incompatibilidade entre a
felicidade e o regramento da vida eclesiástica que Eugênio seguiria ao longo de
sua vida sem a companhia de Margarida. Na obra, Bernardo Guimarães construiu um
romance de tese defendendo essa incompatibilidade.
A título de curiosidade,
romances de tese eram bem comuns no Naturalismo. Inclusive, possuíam uma clara influência
no cientificismo do século XIX. A incompatibilidade mencionada no parágrafo
anterior perdurou durante toda a história.
Inclusive, o sequenciamento
dos capítulos se repetiu em diversos momentos. No seminário, Eugênio
demonstrava possuir aptidões para aprender aquilo que era vital a quem futuramente
se tornaria um padre. Não conseguindo conceber a ideia de viver sem Margarida,
ele encontra algum meio de revê-la para contar sobre a sua intenção de não se
tornar padre.
A sua família não aceita a
ideia e ele retorna ao seminário. E logo em seguida acontecem essas mesmas
coisas sob circunstâncias e situações novas. Uma coisa que me agradou no livro
foi que, apesar de simples e curtos, em quase todos os capítulos são narrados
eventos impactantes que impedem que o leitor caia no tédio.
Embora narrado em terceira
pessoa, o enredo dessa obra privilegiou muito a perspectiva de Eugênio e não me
permitiu saber de muitas coisas que estavam ocorrendo além de seu campo de
visão. Isso promoveu em mim uma certa curiosidade em relação às coisas que
estavam ocorrendo fora do seminário, mas não consigo responder se isso me
agradou ou não.
Contudo, houve uma certa
parcialidade nessa história que é digna de ser notada. Desde os primeiros
capítulos, são feitas comparações entre Margarida e Eva. E elas não foram, a
meu ver, honestas. Talvez de modo intencional com vistas a fazer críticas.
A família de Eugênio a todo
momento tenta privá-lo do convívio com a moça por acreditarem que ela o
desvirtuaria de seu caminho. Contudo, não levaram em consideração que os
sentimentos que Eugênio nutria por Margarida tornavam a sua vida como padre em
algo incompatível com a felicidade, algo a que todos os seres humanos têm
direito.
E as críticas a essa incompatibilidade
são um consenso. Um detalhe que torna aquelas comparações absurdas está no fato
de que nos diálogos que ela tinha com Eugênio em momento algum ela mostrava a
intenção de desvirtuá-lo. Ao contrário: sempre o lembrava de que abandonar o
seminário causaria grande desgosto em seus pais.
Caso Eugênio se sentisse
tentado a abandona-lo, a culpa definitivamente não era de Margarida. Outro
detalhe importante é que, apesar do afeto que ela demonstrava sentir por
Eugênio, o autor não foi claro em dizer se ela o amava. Acontece que o simples
ato de vê-la com outro homem o fazia se sentir traído, quando na realidade não
havia nem um relacionamento oficializado entre ambos.
A publicação dessa obra não
estava tão distante da inauguração do Realismo e do Naturalismo no Brasil.
Histórias sobre amores proibidos entre clérigos e fiéis não eram incomuns em
obras dessas escolas. Contudo, não encontramos isso em “O Seminarista”. O
enredo se passa em um período no qual Eugênio ainda era seminarista.
As principais críticas do
autor estão voltadas à ausência de liberdade por parte de Eugênio em decidir
sobre o seu destino. Isso era algo comum na época da publicação da obra.
Como um todo, a obra me
agradou bastante. A sua única imperfeição está no fato de que não há tanta
história em seu enredo. Não é possível a mim afirmar que ela não tenha sido
marcante, e muito disso se deve ao emprego bem dosado do sentimentalismo por
parte de Bernardo Guimarães. Essa foi a segunda obra dele que eu li, a primeira
foi “A escrava Isaura”. E a leitura deixou em mim o desejo de ler mais obras do
período em que ela foi publicada.
Autor da resenha: Felipe Germano Monteiro Leite
O Seminarista (1872) | Ficha técnica:
Autor:
Bernardo Guimarães
Páginas:
127
Nota: 10/10
Que maravilha, fiquei inebriada ,parabéns, ficou magnífica sua resenha...
ResponderExcluirGostei, parabéns
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