[Resenha] As Aventuras de Robin Hood - Alexandre Dumas
Essa edição reúne pela primeira vez os dois volumes de Alexandre Dumas sobre Robin Hood: O príncipe dos ladrões e O proscrito. Além do texto integral em cuidadosa tradução, traz ainda dezenas de notas, cronologia e uma esclarecedora apresentação. A versão impressa apresenta ainda capa dura e acabamento de luxo.
Ambientado na Inglaterra nos séculos XII e XIII, em especial sob o tumultuado reinado de Ricardo Coração de Leão, o livro traz as peripécias do fora da lei e seu bando dos alegres homens da floresta em busca de justiça, igualdade, e também de diversão. Nas matas de Sherwood e Barnsdale, acompanhamos os embates de Robin com o xerife de Nottingham, sua história de amor com Lady Marian e sua parceria com o leal João Pequeno e frei Tuck - tudo isso, e muito mais, na narrativa ágil e mordaz que é marca registrada do autor.
Opinião: "As Aventuras de Robin Hood"
Em decorrência da Conquista Normanda da Inglaterra, mencionada no post anterior, a substituição de uma elite governante por outra mediante a força incitou um ressentimento na população nativa, os saxões. A rivalidade surgida a partir de então é mencionada na apresentação da obra neste post resenhada, e a despeito dessa rivalidade para muitos carecer de uma base histórica sólida, no enredo podem ser verificadas diversas repercussões da mesma.
Na Inglaterra, o rei conhecido como João Sem-Terra tornou-se um exemplo de tirano arquetípico. Irmão de Ricardo Coração no Leão, então rei, realizou o juramento de que não entraria na Inglaterra durante a sua ausência. João quebra o juramento e retorna à Inglaterra, nela liderando oposição contra o regente do trono, Longchamp. Ao saber da prisão de Ricardo Coração de Leão, aliou-se ao rei da França e tentou, sem sucesso, apoderar-se do governo da Inglaterra. Em 1099, após a morte de Ricardo, João Sem-Terra é finalmente coroado rei da Inglaterra.
À época, a nobreza constituía um grupo privilegiado de pessoas que, por pertencerem à alta categoria de uma sociedade, desfrutavam de um estado de direito privilegiado. A nobreza inglesa apresentava uma peculiaridade em relação aquela proveniente da desintegração do Império Carolíngio. Enquanto nestes a nobreza era oriunda de uma nova aristocracia de guerreiros, na Inglaterra eles eram formados pelos barões.
Eles eram conselheiros do rei nas questões políticas, recebendo terras em troca da prestação de serviço militar. Este serviço os obrigava a recrutar homens especializados no serviço de guerrear.
Em "As Aventuras de Robin", tudo começa com o casal Gilbert Head, guarda florestal, e a sua esposa Marguerite recebendo, na floresta de Sherwood, a tutela de um menino órfão, que somente após crescer saberia sobre suas origens: Robin Hood. Após crescer, Robin salva estranhos de uma emboscada na referida floresta, e a partir daí encontramos o desenrolar deste enredo.
Na trama, vamos conhecendo os personagens inseridos nas posições sociais de seus contextos históricos. Após a Conquista Normanda da Inglaterra, muitos anglo-saxões fugiram do país. A título de exemplificação, membros da família do rei Haroldo II buscaram refúgio na Irlanda e usaram suas bases no país para invasões mal-sucedidas na Inglaterra.
É nesse contexto que Robin Hood chega ao lar de Gilbert e Marguerite enquanto ainda era bebê. E é nesse contexto de perseguição normanda aos saxões que as diversas aventuras contadas na obra se inserem. Após salvar o casal de estranhos da emboscada na referida floresta, Robin Hood conhece Marian e o seu pai, o xerife de Nottingham.
No contexto no qual o enredo se passa, o xerife representa o caráter administrativo do reino. Funcionário da coroa e o seu principal representante no governo local, estava à frente das organizações fiscal, judicial, administrativa e militar de cada condado. Após a Conquista, a categoria era formada por barões que, gananciosos e opressivos, tornaram-se pouco confiáveis.
Os xerifes tinham como função a cobrança das rendas relativas às terras de propriedade da Coroa relativas às terras de propriedade da Coroa existentes em cada condado, além de serem responsáveis pela administração da justiça local, ocasião na qual investigavam crimes e delitos, presidiam julgamentos menores e efetuavam a prisão de criminosos a serem encaminhados para a justiça central.
O xerife de Nottingham desempenhou o papel de antagonista na primeira parte da obra, "O Príncipe dos Ladrões".
As duas partes do livro aqui resenhado foram publicadas em obras separadas em 1872 e 1873 respectivamente. Seu autor, Alexandre Dumas, foi extremamente bem sucedido em relação a vendas. Porém, gastava mais do que consumia, o que lhe resultava em dívidas. O êxito de "O Conde de Monte Cristo" e de "Os Três Mosqueteiros" deixou claro ao autor o sucesso do romance histórico, forma como a obra aqui resenhada foi contada.
No momento de sua concepção, Alexandre Dumas vivia a sua última fase de carreira enquanto escritor. Conforme discutimos no post anterior, a lenda de Robin Hood não surgiu a partir desta obra, a qual foi retratada após várias modificações da mesma. Walter Scott deu grande contribuição para a construção da lenda. Ele é considerado o inventor do romance histórico, tendo sido atraído pelo Romantismo germânico e pelas baladas da fronteira escocesa.
Tais contribuições serviram a Ivanhoé para a construção de um romance com a participação de Robin Hood em um papel secundário. O autor foi influenciado pelo contexto político da época, no qual a dinastia de Hanover, de origem alemã, ocupava o trono. Retratou os saxões enquanto mocinhos no contexto de conflitos entre eles e os normandos. O mesmo foi feito por Alexandre Dumas em suas obras sobre Robin Hood.
E foi ele que conseguiu globalizar o personagem de Robin Hood, até então incapaz de atravessar mares no sentido oposto ao dos invasores, tanto normandos, quanto, antes deles, saxões e romanos. E, sem ele, Robin Hood não estaria tão presente hoje em nosso imaginário.
Na primeira parte, após apresentar Marian e o xerife de Nottingham, Dumas vai apresentando os outros integrantes do grupo de caçadores do protagonista. O fez por meio de aventuras e batalhas a partir das quais os personagens constroem laços entre si durante e após o seu ocorrido. Há um grande dinamismo nessa apresentação.
Dumas descreve Robin como um homem atraente e com grande propensão a seduzir mulheres. Ao longo do enredo, vemos diversos romances sendo apresentados. Dumas descreve Robin como forte e ágil com flechas, honesto e corajoso, com grande propensão a se tornar um grande heroi.
E, ao longo da primeira parte, vemos uma construção de personagens e contextos de forma absurdamente dinâmica, com relacionamentos amorosos se desenhando e batalhas épicas se sucedendo. Eis uma das maiores virtudes da obra.
Representante do Romantismo francês, ao lado de Victor Hugo, encontramos no personagem de Robin Hood características muito afinadas com o homem da referida escola. O homem romântico é um eterno insatisfeito, que não acredita na realidade social e procura escapar dessa opressiva realidade por meio da imaginação e da sensibilidade. Ele volta os seus olhos à realidade e à crítica do homem contemporâneo, como Jean Jacques Rousseau o fez em "Discurso sobre a origem da desigualdade".
Ao localizar na vida social a fonte da corrupção humana, Rousseau estabeleceu um profundo pessimismo em relação à sociedade e à civilização, que se estenderia ao espírito romântico. Rousseau buscou uma natureza humana selvagem, pura, sem a mácula causada pelo mundo corrompido pela civilização. Esse pensamento resgatado pelo Romantismo explica por que tão adequada à escola foi a escolha de Dumas ao resgatar a lendária figura do século XIII.
Na obra aqui resenhada, Dumas a todo momento trouxe em Robin Hood a ilustração de heroi que, a despeito de virtuoso, esteve a todo momento em conflito com as normas sociais, estando em sintonia com a natureza selvagem humana e não com a corrupção gerada pela civilização.
Outra repercussão do contexto histórico sobre a obra que a engrandece está no papel da mulher inglesa naquela época. As mulheres da nobreza desfrutavam de uma situação privilegiada em relação às demais mulheres. As cortes eram locais onde poderiam adquirir alguma instrução. Era através do casamento que a nobreza normanda preservava os seus interesses e mantinha-se unida.
Nesse contexto, vimos o surgimento do típico amor proibido entre Lady Marian e Robin Hood, também bastante comum no Romantismo, especialmente nos últimos anos de sua fase e nas que se seguiram: o Naturalismo e o Realismo. Assim como neste caso, vemos outros romances bem clichês para a referida escola em seu curso. Uma inovação de Dumas em relação às representações anteriores de Robin Hood foi o de ilustrar Marian como mais que um simples prêmio ao heroi da trama e o de lhe dar maior protagonismo nos desdobramentos do enredo.
E também, o de em um contexto nos quais as mulheres estavam relegadas à secundariedade, Dumas concedeu papeis decisivos às mulheres nas aventuras que em outras obras com Robin Hood tinham a participação apenas de homens. Eis o caso de Maude.
Na primeira parte da obra, "O Príncipe dos Ladrões", vemos a construção de Robin Hood, os companheiros de seu bando, seu relacionamento com Lady Marian e todo o contexto que o torna, em "Robin Hood, o proscrito", o proscrito. Dumas realizou a referida construção de forma extremamente engenhosa, o que motivou a leitura da segunda parte.
Esta tratou do destino dos personagens construídos na primeira parte e de como o contexto histórico e político se tornaria após os eventos ocorridos na mesma. Na minha opinião, e na da maioria das pessoas que leram as duas partes, a primeira é mais interessante. Concordo: os eventos narrados na segunda parte não são memoráveis e o interesse do leitor neles não seria o mesmo sem a leitura prévia da primeira.
Contudo, um benemérito da segunda parte em relação à primeira reside no fato dela ser mais elucidativa, especialmente do ponto de vista psicológico. E fornece elucidações inclusive em relação à primeira parte. Outra está no fato de a linguagem ser mais agradável e simples de ser lida.
Além disso, temos na segunda parte a problematização sobre Robin ser um bandido, por ser ladrão, ou ser um heroi, por agir em favor do povo. Mais um exemplo do quão acertada foi a escolha de Dumas em resgatar a figura em anos finais do Romantismo francês, no qual o mito do bom selvagem foi a todo momento trazido aos herois de suas obras.
No que tange ao papel da mulher, vemos também na segunda parte Marian romper com a idealização da subordinação da mulher ao homem na sociedade ao tornar-se arqueira e agir ao lado de Robin Hood.
Encontramos em "As aventuras de Robin Hood" uma leitura extremamente divertida e repleta de grandes emoções. Com grandes personagens, romances e aventuras. Não a agradou a mim o tanto quanto "O Conde de Monte de Cristo" e "Os Três Mosqueteiros", mas assim mesmo me agradou bastante. Por toda a construção da obra, sua conexão com o contexto histórico de sua produção e o acerto do autor de resgatar uma lenda de séculos anteriores dando-lhe uma nova roupagem e contribuindo para a sua globalização, não há como não considerar essa leitura como uma das melhores da vida.
REFERÊNCIAS:
CARTWRIGHT, Mark. O Impacto da Conquista Normanda da Inglaterra. World History Enciclopedia, 2019. Disponível em: < https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-1323/o-impacto-da-conquista-normanda-da-inglaterra/ >
LOBATO, Maria de Nazareth Corrêa Acioli Lobato. As aventuras de Robin Hood: Lenda, Cinema e História. Brathair, 2010. Disponível em: < https://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair/article/view/451/390>
MILANEZE, Érica. Rousseau e o Romantismo: algumas considerações. Disponível em: < https://www.unicamp.br/~jmarques/cursos/2000rousseau/em.htm#:~:text=%C3%89%20o%20famoso%20mito%20do,social%2C%20tamb%C3%A9m%20emocional%2C%20sentimental.>
As Aventuras de Robin Hood (1872,1873) | Ficha técnica:
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