[Resenha] O homem de giz - C.J. Tudor
Sinopse: Assassinato
e sinais misteriosos em uma trama para fãs de Stranger Things e Stephen King.
Em 1986,
Eddie e os amigos passam a maior parte dos dias andando de bicicleta pela
pacata vizinhança em busca de aventuras. Os desenhos a giz são seu código
secreto: homenzinhos rabiscados no asfalto; mensagens que só eles entendem. Mas
um desenho misterioso leva o grupo de crianças até um corpo desmembrado e
espalhado em um bosque. Depois disso, nada mais é como antes.
Em 2016,
Eddie se esforça para superar o passado, até que um dia ele e os amigos de
infância recebem um mesmo aviso: o desenho de um homem de giz enforcado. Quando
um dos amigos aparece morto, Eddie tem certeza de que precisa descobrir o que
de fato aconteceu trinta anos atrás.
Alternando
habilidosamente entre presente e passado, O Homem de Giz traz o melhor do
suspense: personagens maravilhosamente construídos, mistérios de prender o fôlego
e reviravoltas que vão impressionar até os leitores mais escaldados.
Resenha: “O
Homem de Giz”
Nesta
resenha, falarei sobre “O Homem de Giz”, título do romance de estreia da autora
C.J. Tudor. Dois motivos explicam a minha leitura dessa obra. O primeiro é a
grande repercussão que ela tem mostrado nas redes sociais. O segundo está na
sua inspiração em Stephen King e, especialmente, em “A Coisa”. Essa inspiração
não surpreende, tendo em vista que o amor pela escrita da autora surgiu em meio
à sua devoção pelo sombrio e pelo macabro, além dela ter sido uma leitora voraz
do mestre do terror.
O enredo
contido em “O Homem de Giz” é dividido em duas linhas temporais: uma iniciada
em 1986 e outra em 2016. Na iniciada em 1986, Eddie Adams e seus amigos vão a
um parquinho de diversões. Nessa visita, ocorre um trágico acidente a uma
menina, a qual Eddie se refere ao longo da história como a garota do Twistter.
Havia um
grande mistério em relação a esse acontecimento. O homem pálido, cujo nome
Eddie descobriu que era sr. Halloran, presenciou a situação. Após o acidente, a
garota do Twistter ficou com graves deformações. Felizmente ela conseguiu se
recuperar, mas o mistério em relação à origem desse incidente permanece por
todo o enredo.
Na linha
iniciada em 2016, Eddie estava com os seus 42 anos morando em uma casa que lhe
foi legada pela sua mãe. Seu pai já estava morto. O narrador e protagonista
tinha Chloe como inquilina de seu novo lar. Há um mistério em relação às
motivações de Chloe para procura-lo que permanece durante a maior parte do
livro.
Durante
toda a história, C.J. Tudor apresenta vários mistérios ao leitor.
Posteriormente explicarei por que isso a engrandeceu. Contudo, pelo
menos a princípio, as coisas demoram para desenrolar. Especialmente no eixo
narrativo que se passa a partir de 2016.
Mas
aconselho que vocês prossigam lendo a história caso registrem essa mesma
impressão que eu. Conforme narra os capítulos, a autora foi me deixando dúvidas
a respeito dos personagens, o que me pôs no estado de alerta
durante todo o enredo em busca de explicações.
Mas não foi
em relação a história dos personagens que a autora despertou a curiosidade que
mais me manteve atento à história em busca de explicações. Foi em relação ao
homem de giz e ao mistério em relação às circunstâncias de determinados
acontecimentos. Falarei mais a respeito posteriormente.
Conforme
mencionei no primeiro parágrafo da resenha, C.J. Tudor foi uma grande leitora
de Stephen King e, lendo a obra aqui resenhada, é difícil não perceber grandes
similaridades entre ela e “A Coisa”. Citarei algumas com base no que li. Assim
como “A Coisa”, “O Homem de Giz” é narrado em dois momentos cronologicamente
distintos.
Assim como
na obra de King, na aqui resenhada o enredo desenrola após um acontecimento
impactante envolvendo duas entidades sobrenaturais. Em “A Coisa”, vemos um
grupo de amigos em dois momentos diferentes se unindo para derrotar um vilão.
Em “O Homem de Giz”, os vemos reunidos para desvendar mistérios em relação a
acontecimentos misteriosos e ao homem de giz. E isso sem mencionar a presença
da temática do bullying e a de valentões que fustigam os grupinhos.
Essas são
as semelhanças mais importantes para a opinião sobre a obra que eu desejo
explicar nessa resenha. Há muitas outras semelhanças que eu notei entre elas, e
quem empreender a leitura das duas poderá encontrar muitas outras. Contudo,
apesar das semelhanças “O Homem de Giz” foi uma história completamente singular
quando comparada à de Stephen King.
Enquanto na
obra do autor as ações de Pennywise, o vilão, são bem claras, na aqui resenhada
elas são um mistério que prende a sua atenção durante toda a história. Em “A
Coisa”, King se vale do medo para construir a atmosfera de suspense do livro,
enquanto em “O Homem de Giz” C.J. Tudor lança mão do mistério e das incertezas.
Na obra do
mestre do terror, o convívio entre mocinhos teve como principal temática a
amizade. Na aqui resenhada a amizade foi um tema visitado, mas esteve vinculado
a outras abordagens, especialmente a seguinte: como podemos defini-la? Além
disso, houve discussões existenciais importantes, especialmente as diferenças
entre o modo de lidar com grandes acontecimentos entre as crianças e os
adultos.
Um aspecto
desse livro que chamou a minha atenção foi o cuidado da autora em trabalhar com
os aspectos psicológicos das crianças com seriedade. Historicamente, nem sempre
foi assim. Durante a Antiguidade e a Idade Média, é possível constatar uma
grande ausência de abordagens a respeito da infância.
Tanto é
assim que, etimologicamente, a palavra “infância” deriva do latim infantia, representando pessoas que não
possuem fala articulada. Em “A História
da Infância sem Fim”, Sandra Mara Corazza afirmou que a falta de interesse pela
criança deve-se ao fato de durante muito tempo a infância haver sido
inexistente enquanto objeto discursivo.
Foi com a
publicação de “História social da família e da infância” pelo historiador
Philippe Aires em 1978 que a infância se transformou em um objeto de estudo
pela História. A partir de então, a abordagem da infância deixou de se
restringir a questões biológicas e passou a ser associada a eventos históricos
ligados às noções de família e sociedade.
Em
paralelo, a Psicologia emergiu como fruto da História no século XIX. A partir
de então, o ser humano passou a ser entendido como um indivíduo vistos como um
eu, equipado com um domínio interior e estruturado a partir da interação entre
suas experiências de vida e determinadas leis gerais do desenvolvimento humano.
A
princípio, a Psicologia enfatizou o entendimento do patológico em detrimento do
normal. Nesse contexto, foi atribuído aos especialistas a autoridade para falar
sobre a infância, a qual passou a ser vista como uma etapa separada da vida.
Também se passou a considerar as crianças como portadoras de características e direitos.
Walter
Benjamin foi outro pensador a valorizar a infância. Durante o século XVIII, a
infância passou a ser considerada uma etapa da vida. Porém, as crianças eram
consideradas apenas como “pequenos adultos”. Para o sociólogo, a infância não é
apenas uma etapa da vida ou uma experiência desprovida de sentido histórico.
Para ele, a
criança também é um ator social que também produz cultura. Tamanha foi a sua
contribuição sobre o tema que ele chegou a influenciar Philippe Aires. E na
Psicologia a natureza infantil mostra como as características naturalmente
associadas à infância relacionam-se a uma produção de conhecimentos sobre as
crianças. Esses não apenas as descreve, mas produzem um sujeito infantil.
Em “O Homem
de Giz”, C.J. Tudor nos mostra como os eventos como a morte são encaradas de
forma distinta pelas crianças e pelos adultos, provendo ambos de profundidade
psicológica. Mas algo que realmente chamou a atenção foi o fato da autora
retratar a vivência desses eventos por parte das crianças como algo tão
relevante quanto ela é para os adultos.
No foco
narrativo da obra que se passa após 2016, senti uma falta de rumo na história
nos primeiros capítulos narrados nesse foco. Contudo, o avançar da leitura o
transformou em complementar ao foco narrativo de 1986. Um dos pontos fortes dessa
história está nesse entrelaçamento e na forma como a autora se valeu disso para
ir unindo as pontas soltas que deixava nos capítulos.
O outro
está na forma como o suspense dessa história foi construído. Ele não foi movido
por um estabelecimento de ganchos explícitos entre os capítulos ou por um
interesse em saber o que iria acontecer no final da história. Ele foi
construído à base de dúvidas a respeito da história dos personagens e das
explicações para diversos eventos ocorridos sem uma origem clara.
O que eu
achei dos personagens desse livro? Eu gostei deles, sendo possível a mim
identificar uma personalidade marcante em cada um. O fato dessa história ser contada
em dois momentos cronologicamente distintos me permitiu ver como eles mudaram
após se tornarem adultos. Me permitiu perceber, também, que muitas
características de nossa personalidade persistem após crescermos.
Foi
incrível o quanto os dramas apresentados pela autora me livraram do tédio mesmo
sem que ela explorasse outros tipos de recurso para dar suspense ao enredo. Os
dramas que mais me agradaram foram os que a gangue do protagonista vivenciaram
na infância. Uma característica que os torna singulares perante boa parte dos
livros que já li é que, apesar de carismáticos, eu não conseguiria sofrer com a
morte de nem um deles.
Porém, eu
não entrarei em detalhes porque isso pode estragar a experiência de muitas pessoas
com a leitura. Afinal, essa é uma história visivelmente investigativa, apesar
do que mais me agradar nela ser o suspense criado pela investigação. Todos os
personagens foram bem construídos e a autora falou sobre tudo o que precisava
falar sobre eles.
Também não
entrarei em detalhes, mas uma personagem que foi apresentada durante a história
mas não teve uma construção, a princípio, suficientemente bem detalhada, esteve
vinculada a principal reviravolta contida nesse livro, e também a muitas
explicações relevantes que ele precisava fornecer.
Devo aconselhar
ao pretende a leitura da obra que o faça com atenção. Há alguns fluxos de
memória que não são bem demarcados do presente. Além disso, conforme eu já
disse, o suspense dessa obra é construído a partir de dúvidas que só surgem
após a realização de uma leitura atenta de cada capítulo.
Apesar de
ser uma história investigativa, o terror também foi explorado em momentos
diversos dessa história. Gostei bastante dessa combinação. E essas cenas também
contribuíram para o suspense do livro.
Conforme a
narrativa fluía, surgiam dúvidas a respeito de aqueles acontecimentos serem
fruto de atitudes humanas ou do sobrenatural. Do meio para o fim, ela lança mão
de recursos para da velocidade ao enredo. O principal deles foi o de terminar
capítulos com acontecimentos que deixavam no leitor o desejo de saber o que
iria acontecer em seguida e o de iniciar o capítulo seguinte em um foco
cronológico diferente.
Apesar da
atenção requerida no início da história, afirmo com segurança que esse livro
requer pouco tempo para ser lido. Decidi ler a obra após ver comparações entre
ela e “A Coisa” de Stephen King. Há muitas semelhanças entre as duas, mas “O
Homem de Giz” é suficientemente individualizada para passar longe de ser mais
do mesmo ou uma cópia da obra de King.
Dos livros
que não são clássicos que eu li em 2021, esse foi um dos meus favoritos. Eu não
esperava tanto de C.J. Tudor após saber que essa era a sua primeira obra e de
algumas comparações que havia entre ela e “A Coisa”. Isso, aliado a trama e a
forma como ela foi contada explicam por que eu gostei tanto desse livro e
pretendo ler mais coisas da autora. Se você gosta de suspenses mesclados com terror,
esse livro certamente agradará.
Autor da resenha: Felipe Germano Monteiro Leite
O Homem de Giz (2018) | Ficha técnica:
Título original: The Chalk Man
Autor(a): C.J. Tudor
Páginas: 271
Nota: 10/10
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