[Resenha] Helena - Machado de Assis

 



Sinopse: No Rio de Janeiro colonial, um homem importante e rico mantém caso amoroso com uma mulher que havia migrado do Rio Grande do Sul e se separara do marido, devido a dificuldades financeiras. A mulher já possuía uma filha, que, mais tarde, foi perfilhada pelo amante rico. Esta filha é Helena. Mesmo sabendo de tudo, ela é recebida no seio da família do amante de sua mãe e entra em posse de uma herança considerável. A convivência termina por gerar uma paixão recíproca entre Helena e seu suposto irmão Estácio. O drama de incesto abala as estruturas da família de Estácio e tudo caminha para um final surpreendente. “Helena” é um romance dividido em 28 capítulos dentro de estrutura linear.


Opinião: “Helena”

 

Em 1876, ano do lançamento de “Helena”, Machado de Assis era um dos representantes da última geração do Romantismo no Brasil. Inicialmente publicado em folhetins pelo jornal “O Globo”, “Helena” disputava a atenção do leitor com romances internacionais. À época, mais de dois terços dos brasileiros não sabia ler e os países mais fecundos na Literatura eram a França e a Inglaterra.

 Devido ao fato de em nada perder para os romances de outros países com os quais concorria nos jornais, “Helena” foi agraciado pelo público e passou a ser considerado pela crítica como um romance de patamar internacional. Todavia, dos 50 anos da carreira de Machado de Assis como escritor, somente a segunda metade do período despertou o interesse da maioria dos estudiosos da Literatura durante muito tempo. Em “Helena”, encontramos importantes aspectos da primeira metade da carreira do escritor que são dignos do interesse não apenas dos estudiosos, mas de qualquer brasileiro que cultive o hábito de leitura.

Em “Helena”, o Conselheiro Vale falece às 7h da manhã do dia 25 de abril de 1859. A sua morte foi instantânea e por isso a oferta dos consolos da religião e tão pouco das explicações da ciência não acontece. No dia seguinte, ocorre o enterro.

A família do falecido é constituída pelo seu filho, Estácio, e pela sua irmã, D. Úrsula. Dr. Camargo era amigo da família e vai ao seu enterro. Ele chega a oferecer a Estácio uma explicação científica para o incidente, mas Estácio a rejeita acreditando que a explicação religiosa fosse mais valorosa.

 Um dia depois, a morte do Conselheiro Vale é tratada em todas as formalidades legais. Em seu testamento, reconhece a sua filha natural Helena, havida com D. Ângela. Conselheiro Vale deixa claro no testamento que Helena é sua herdeira, e expressa o seu desejo de que a sua filha fosse tratada com desvelo e carinho por Estácio e D. Úrsula.

 D. Úrsula não reage bem ao saber de Helena. Ela considera a filha de seu falecido irmão como um estranho a ser acolhido no ambiente familiar. Estácio, por sua vez, não enxerga a sua irmã com maus olhos e se compromete a atender o desejo de seu pai. No romance de Machado de Assis, vemos o convívio de Helena com a família de seu pai e as repercussões dele na vida de Estácio e D. Úrsula.

 O livro é narrado em terceira pessoa por um narrador onisciente. A história se passa na segunda metade do século XIX e tem como pano de fundo o Rio de Janeiro. A obra é portadora de diversas características do Romantismo, escola a que é filiada, mas nela vemos a ironia típica de Machado de Assis que permaneceu no Realismo e se tornou uma de suas principais marcas.

 Em “Helena”, assistimos ao ocaso de um amor proibido que em muitos aspectos se assemelha aos dos romances de Eça de Queiroz. Porém, com as típicas características de uma narrativa machadiana. Embora o movimento abolicionista tenha influenciado a produção de diversas obras do Romantismo, não notamos a sua influência em "Helena".

 

A escrita do autor na obra é tão aprazível que qualquer outra história narrada no mesmo estilo atingiria um patamar de excelência. E a apresentada em “Helena” é ótima. Enquanto a lemos, ocorre o estabelecimento de um forte vínculo afetuoso do leitor com os personagens. Não interessa a esta resenha fornecer spoilers, mas as sensações despertadas pelo desfecho do livro não teriam ocorrido caso Machado de Assis não soubesse cativar o leitor com a construção de seus personagens.

“Helena” possui uma grande importância para Machado de Assis e para a Literatura nacional.

Na época de seu lançamento, fazia pouco tempo do término da Guerra do Paraguai. O conflito propiciou uma comunicação entre o Norte e o Sul do Brasil, evidenciando diferenças entre os dois extremos do país. As políticas imperiais tinham como prioridade o Sul do país, causando grande descontentamento no Norte.

Essas tensões entre Norte e Sul se manifestam no campo da Literatura. Grandes evidências desse conflito são fornecidas por Franklin Távora, autor de “O Cabeleira”.  O projeto de Franklin Távora contrapôs a Literatura do Norte à Literatura do Sul.

A Literatura do Norte caracterizou-se por uma expressão nacional genuína. Ela trazia às suas produções uma valorização da nacionalidade esquecida pelos autores do Sul. Em muitos de seus materiais, encontramos uma descrição do folclore como um elemento diferenciador da cultura sertanista.

A Literatura do Sul, por sua vez, com raras exceções, trazia paisagens que nada tinham de brasileiras e abordavam temas similares aos romances estrangeiros. A Literatura do Norte contrastava com a do Sul por seu caráter regionalista, valorizando as especificidades nacionais em lugar de seguir tendências do exterior.

Com “Helena”, Machado de Assis conseguiu reunir criticamente aspectos positivos do romance europeu folhetinesco e da Literatura do Norte que tomava por base peculiaridades sociais e econômicas brasileiras. A partir de sua obra, Machado conseguiu fazer uma conciliação entre extremos e criou um romance brasileiro sem o viés da retórica nativista, dialogando com o público e as suas expectativas.

“Helena” é um romance completamente diferenciado para o ano de 1876. Todavia, na maioria dos manuais de Literatura são apontadas poucas distinções entre ele e os seus contemporâneos. Esse é o motivo que me move a aborda-las nesta análise e resenha.

Na época da publicação de “Helena”, discussões a respeito da educação de jovens e moças borbulhavam, tendo sido objeto de interesse de Jean Jacques Rousseau em “Emílio, ou da Educação”. Nesse cenário, notava-se uma idealização da mulher. Por um lado, Helena exibia a imagem de uma mulher casta, pura e submissa. Pelo outro, era uma mulher fatal, independente e repleta de mistérios.

Embora não tenha sido uma obra de temática abolicionista, Machado não se furtou de denunciar a influência do processo de produção econômica escravista sobre as relações sociais.

Em sua fase no Realismo, Machado de Assis satirizou a idealização da mulher. Em “Helena”, obra pertencente à primeira metade de sua carreira, percebemos a influência dos valores honrosos do paternalismo sobre o seu desfecho.

Constatamos uma grande importância de "Helena" para o romance folhetinesco e vice-versa. O termo “folhetim” remonta à França do século XIX. Na época da publicação de “Helena”, romances de folhetim eram uma febre, mantendo o leitor ávido por cada capítulo da história até a sua conclusão.

O conteúdo dos romances folhetinescos não tinha como fator decisivo o gosto dos autores, mas do público que os lia. Foi nessa perspectiva que Machado de Assis se orientou ao definir a temática da obra e selecionar os aspectos positivos da Literatura do Norte e da Literatura do Sul, que ora estavam em conflito, para construir o seu romance. 

O romance de folhetim é rejeitado por muitos críticos literários, mas foi dele que as principais técnicas de romance brasileiras se originaram. Com o lançamento de “Helena” em 1876, o público teve grandes surpresas. A repercussão do romance foi grande a ponto de após todos os capítulos terem sido publicados em jornais, logo em seguida ocorre o lançamento de sua versão em livro.

O Brasil se encontrava em uma época de efervescência política, e o jornal “O Globo” trazia extensos debates de caráter abolicionista. Por não abordar essa temática e nem muitas outras trazidas pelos romances brasileiros, Machado foi comparado pelo público a autores internacionais e com o passar do tempo foi considerado um autor imbuído de um espírito contrário ao convencional.

A construção dos personagens de “Helena” possui papel fundamental para a qualidade de seu enredo. Em virtude disso, falarei um pouco sobre cada um deles.

D. Úrsula tinha mais de 50 anos quando o Conselheiro Vale faleceu. Era severa quanto ao respeito dos bons costumes, e Machado de Assis buscou satirizar esse tipo de pessoa com a construção da personagem. Para descansar, lia. A princípio, não aceitou a ideia de conviver com Helena, mas com o tempo se afeiçoou a moça.

Estácio tinha 27 anos de idade no início da história. Era formado em Matemática e não tinha um futuro promissor na política.  A via com maus olhos. Antes da chegada de Helena, era apaixonado por Eugênia, filha de dr. Camargo.

Dr. Camargo era um grande amigo da família do Conselheiro Vale. Não foi demonstrou simpatia à chegada de Helena na família de seu amigo. Era pai de Eugenia e marido de d. Tomásia.

Helena é a protagonista da história. Filha do Conselheiro Vale e de d. Ângela, Helena estudava em um colégio em Botafogo. Pouco se sabia a seu respeito, o que explica o seu caráter enigmático na história.

 Ela era portadora do perfil típico da mocinha exaurida em suas forças que buscava constantemente desfazer-se do constrangimento do favor. Para tanto, ela não se furta de lançar mão de mentiras e subterfúgios nos momentos em que julga isso necessário. A linha que separava o servilismo do aceitável era tênue.

Em uma época em que valores sociais reprimiam liberdades humanas, Helena torcia-os a seu favor. Quando lhe convinha, Helena fazia-se de boba e submissa para que o poder paternalista representado por Estácio não a atrapalhasse.

Em nenhum outro livro de Machado que eu até o momento li vi uma narrativa tão ligada ao sentimentalismo. Não me surpreende, portanto, que diversos estudiosos o considerem como o momento mais melodramático do autor.

Diferente de outros livros da época em que foi lançado, em lugar de dar vazão ao sentimento nativista ou de se adequar ao olhar estrangeiro que desejava apenas admirar a natureza, “Helena” possui foco nas realizações humanas. 

Talvez “Helena” não figure na lista de livros favoritos de Machado de Assis de muitas pessoas, mas, para mim, está entre os três. Por empregarem um jargão arcaico e não possuírem o mesmo dinamismo que diversos livros da atualidade oferecem, clássicos são vistos com maus olhos por muitas pessoas. Porém, quem teme ler os clássicos e, em especial, os livros de Machado de Assis, terá surpresas positivas quanto ao autor após a leitura de “Helena”. Devido à qualidade da narrativa e ao sentimentalismo na obra empregado, considero “Helena” como um livro apropriado a quem deseja conhecer Machado de Assis. É uma grande indicação de leitura a leitores de todos os públicos.


Autor da resenha: Felipe Germano Monteiro Leite



Ficha Técnica:

Autor: Machado de Assis

Editora: Garnier

Páginas: 226

Ano de publicação: 1876

Nota: 10/10



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