[Resenha] É isto um homem? - Primo Levi
Sinopse: Relato
autêntico da experiência de Primo Levi em campos de concentração, este livro é
o depoimento pessoal de um situação impessoal.
Deportado em
1944 para Auschwitz, Levi sobreviveu. Dos 50 judeus deportados com ele, no
entanto, sobraram apenas três. O dia a dia de trabalhos pesados, humilhações e
assassinatos encarregou-se de desumanizar e reduzir a algo inqualificável o que
era antes um homem digno de tal nome.
"É isto
um homem?" não é, no entanto, apenas mais um livro sobre os horrores da
Segunda Guerra. Tampouco uma obra encharcada de ódio, incapaz de fazer vingar
qualquer racionalidade.
Nela Primo
Levi faz a apologia de uma das teorias que lhe eram mais caras. A de que
"a ação humana só pode ser julgada individualmente, caso a caso".
Perdidos
naquela babel, os judeus encontravam como algozes homens igualmente
indistinguíveis. Tão inacessíveis que se tornavam inodiáveis.
Dotado de uma
lucidez impressionante, Primo Levi compõe com elegância e disciplina um dos
marcos da literatura de seu tempo.
Opinião: "É isto um homem?"
No século XX, a humanidade presenciou importantes conquistas. Elas podem ser notadas, principalmente, no campo econômico e tecnológico. Avanços na ciência e na Medicina permitiram que a expectativa de vida no Brasil fosse duplicada. Infelizmente, no século passado não tivemos apenas benesses. Foi nele em que ocorreram duas grandes guerras mundiais que assolaram diversos países e geraram enormes quantidades de mortes.
Também foi no
século anterior que ocorreu o surgimento de ideologias totalitárias como o
Fascismo e o Nazismo. Naquele contexto, diversas produções literárias vieram à
luz para relatar acontecimentos vivenciados por vítimas daqueles eventos. A literatura
de testemunho ganha notoriedade nos estudos literários. Primo Levi, autor da
obra aqui resenhada, é hoje considerado um dos autores mais notáveis desse tipo
de produção literária.
Conhecer um
pouco sobre o autor nos permite entender melhor a história contada em “É isto
um homem?”. Nascido em Turim, cidade italiana, Primo Levi se forma em Química em
1941. Judeu, ele é levado aos campos de concentração nazista em Auschwitz.
Primo Levi
teve a má sorte de ser contemporâneo ao holocausto vivenciado pelos judeus na Segunda
Guerra Mundial. Porém, em comparação com outros judeus, o autor teve o
privilégio de ser levado aos campos de concentração em um tempo próximo ao fim
da guerra.
Isso, aliado
a sua competência na Química, a qual lhe permitiu ir trabalhar em laboratórios
do campo de concentração, contribuiu para que Primo Levi se tornasse um dos 20
sobreviventes dos 650 condenados com os quais embarcou em um trem no ano de 1944.
Em “É isto um
homem?”, Primo Levi nos conta os acontecimentos que viveu durante aquele sombrio
momento. Na obra, vemos a ilustração dos sofrimentos vivenciados pelos
condenados aos campos de concentração. O prefácio avisa ao leitor que
esse é o foco da narrativa, a qual não teve como objetivo trazer reflexões
novas sobre o Nazismo e o holocausto.
Contudo,
assim como conhecer a vida do escritor nos situa diante do que o enredo se
trata, saber o contexto histórico da obra permite que tenhamos uma melhor
abstração das principais reflexões que o livro traz. Eis por que falarei a respeito.
Durante a Segunda
Guerra Mundial, os nazistas cometeram um genocídio com nada menos que 6 milhões
de vítimas. Entre elas, estão inclusos judeus, ciganos, homossexuais, opositores
políticos e deficientes físicos e mentais. “É isto um homem?” fez de Primo Levi
um dos mais importantes autores sobre o holocausto, nome que atribuímos a esse
grande massacre.
Campos de
concentração eram o ambiente no qual essas mortes ocorriam. Eles não são uma
invenção alemã. No século XIX, colonizadores espanhóis os fizeram em Cuba. Para
concretizar a “Marcha para o Oeste”, os Estados Unidos os construíram para
matar indígenas. Na Alemanha nazista, serviram como o local no qual os grupos
mencionados no parágrafo anterior sofreram grandes atrocidades.
Em Auschwitz,
local onde a história de “É isto um homem?” se passa, havia um campo de
concentração responsável por mais de 1,2 milhões das mortes ocorridas no
holocausto. Um método de extermínio usado nos campos de concentração nazistas
foi a utilização de câmaras de gás contendo monóxido de carbono.
“É isto um
homem?” narra atrocidades sofridas por pessoas condenadas ao campo. Alguns
acontecimentos contidos no livro são tão impactantes que dificilmente os
esquecerei mesmo diante de memórias de leituras que a longo prazo se confundem
em minha mente. Acredito que isso também ocorrerá com o leitor desta resenha que
decidir ler o livro.
Porém, o
ponto forte do livro não está na narração de fatos. Está nas reflexões que o
autor faz a respeito deles. Algumas ele faz mediante análises próprias,
outras a partir da evocação de dados, interpretações históricas e analogias com
mitos, isso sem mencionar reflexões que o autor constrói sobre o que narra a
partir de conhecimentos que obteve em outras áreas do conhecimento.
O livro é bem
bonito. Para comover o leitor, Primo Levi não se vale de floreios na linguagem.
Para tanto, ele narra os fatos e permite ao leitor tirar suas próprias
conclusões ou, em muitos momentos do livro, reflete sobre eles com o leitor. Outro
recurso que contribuiu para a concretização desse fim foi a narração de eventos vivenciados pelos condenados antes de sua chegada ao campo de concentração.
Passado e
presente não possuem uma delimitação explicitada pelo autor. Isso exige do
leitor uma leitura atenta. A empreenda e “É isto um homem?” se tornará uma das
melhores leituras de sua vida.
Uma
característica bem marcante dessa obra é que ela não heroiciza o seu
protagonista. Cumpre notar que, embora haja um protagonista, em uma profusão de
momentos o foco da narrativa não está nele, mas em personagens que vivenciam as
atrocidades ocorridas no campo de concentração. A mortificação do corpo em meio ao
holocausto é a principal reflexão contida no livro. Pelo menos para mim,
enquanto leitor, e para muitos estudiosos da Literatura.
Acredito que “É
isto um homem?” tenha dado uma grande contribuição para a literatura de
testemunho. Ao narrar o sofrimento vivenciado por pessoas em períodos obscuros
de nossa história, a literatura de testemunho impede que eles sejam esquecidos.
E lembrar das calamidades ocorridas no holocausto é essencial para que ele não
se repita.
O caráter
reflexivo de “É isto um homem?” é apenas uma de suas muitas virtudes. A forma
como essa história é escrita e narrada é o que faz dela tão especial para mim
ao procurar prazer na leitura. Muitos procuram nessa atividade conhecer novos
mundos e se desligar daquele que habitamos fisicamente. No livro aqui
resenhado, encontramos uma história que consegue, ao mesmo tempo, nos entreter
e operar mudanças na forma como enxergamos o mundo.
Autor da resenha: Felipe Germano Monteiro Leite
É isto um
homem? (1947) | Ficha
técnica
Título original: Se questo è un uomo
Editora: Rocco
Páginas:254
Nota: 10/10
Nossa! Gostei de sua resenha. Falar de "É isto um homem?" é uma missão importante de relevância humana. Sou escritora e estou escrevendo sobre esse difícil e envolvente tema. Primo Levi é muito bom!
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