[Resenha] O Evangelho Segundo Jesus Cristo - José Saramago
Sinopse: menos
interessado na onipotência do divino que na frágil mas tenaz resistência do
humano, Saramago reconta de forma irônica e crítica uma das histórias mais
conhecidas no ocidente, dotando-a de corpo, cheiro, sensações, ambiguidades e
novos significados recônditos.
Opinião: "O Evangelho Segundo Jesus Cristo"
No ano de
1922, nasceu em Azinhaga de Ribatejo, localizada no centro de Portugal, o grande
escritor José Saramago. Na ausência de boas condições financeiras, Saramago e
sua família se mudaram para Lisboa quando o futuro escritor tinha apenas 2 anos
de idade. Quando iniciou a sua formação acadêmica, Portugal possuía uma taxa de
analfabetismo acima de 2/3 da população.
Aos 12
anos, Saramago abandona uma escola de ensino tradicional para estudar em uma
escola técnica, na qual obteve a formação de serralheiro. Conciliando as suas
atividades laborais com atividades literárias, o autor publica a sua primeira
obra em 1947, mesmo ano no qual nasceu a sua filha.
“A Terra do
Pecado”, seu primeiro romance, não obteve uma repercussão tão grande. Seu
segundo livro foi rejeitado por uma editora e, após 19 anos escrevendo contos,
peças de teatro e poemas publicados em revistas portuguesas, Saramago torna-se
poeta.
Inspirado
em ideias marxistas, mais tarde o autor volta a conceber romances em prosa. “Levantado
do Chão” trouxe temáticas bem polêmicas. Em “O Evangelho segundo Jesus Cristo”,
vemos temáticas polêmicas mais distantes das de viés político.
O simples
ato de ver José Saramago sendo mencionado causa espanto em muitos. E as
suas obras que eu li até o momento não foram tão fáceis. No caso específico de “O
Evangelho segundo Jesus Cristo”, isso não se deve ao emprego de uma linguagem
de difícil compreensão. Na obra, a dificuldade decorreu do fato de que as
reflexões na obra contidas demandarem um certo tempo para serem “digeridas”.
Ela pode
ser considerada uma metaficção histórica. Em que isso consiste? Para a estudiosa
canadense Linda Hutcheon, em uma narrativa que se apropria de personagens e/ou
acontecimentos históricos com a finalidade de questionar fatos tidos como
absolutamente verdadeiros. Na obra aqui resenhada, José Saramago o fez com a vida do próprio Jesus Cristo.
Eis uma das
principais razões por que ela causou tanta polêmica. Explico. Atualmente, vigora
a concepção de que de que a História deva ser contada não apenas sob a vista
dos setores dominantes de uma sociedade e que ela deve levar em consideração as
relações de poder existentes entre os seres humanos. Nesse cenário, contestar verdades
históricas poderia ser de grande valia em determinadas circunstâncias.
Imaginem se
a História da colonização do nosso país, contada sob o ponto de vista dos
colonizadores, não tivesse outras visões contemplando outros pontos de vista.
Imaginem se a História das disputas imperiais dos séculos XIX e XX levasse em
consideração unicamente a visão dos países neocolonialistas. Situações como
essas nos mostram a importância desse tipo de contestação.
Mas e se
ela fosse destinada a textos sagrados religiosos e a fatos considerados por
eles como historicamente verdadeiros? No caso de “O Evangelho segundo Jesus
Cristo”, vimos a obra ser repudiada pelos cristãos, tanto os católicos quanto
os protestantes. E isso explica por que eu não indico a leitura da obra a quem
não tolera contestações a dogmas religiosos.
Conforme eu
disse anteriormente, a linguagem empregada deste livro não é de difícil
compreensão, e que a dificuldade que ele nos apresenta é na abstração das
reflexões nele contida. A facilidade decorre do estilo de escrita do autor,
similar ao de contos orais, nos quais a correção ortográfica da linguagem
escrita adquire uma importância secundária.
Confesso
que nos outros livros que li dele esse estilo me causou certo estranhamento,
mas neste isso não ocorreu. A dificuldade, por sua vez, pode ser resolvida
mediante uma maior posse de conhecimentos bíblicos.
Caso você
decida ler essa obra, é preciso que saiba que este livro contém uma versão
humanizada do evangelho. Porém, isso ocorre à custa de uma quebra da aura
sagrada que o envolve. É preciso mencionar que a religião não foi
essencialmente ignorada, mas descartada enquanto dogma.
Em outras
palavras, buscou adotar uma postura crítica frente a verdades estabelecidas.
Contudo, em uma situação inadequada para os cristãos mais fiéis. Saramago não
retratou Jesus Cristo como um ser de moral perfeita, mas também não como um de
moral reprovável.
Isso também
pode incomodar muita gente. A obra também diverge da bíblia ao não negar a
sexualidade de Jesus Cristo. Inclusive, na obra Jesus e Maria de Magdala
desenvolvem um relacionamento. Outro ponto dessa obra que pode desagradar a
muitos está no fato de que Saramago chegou a comparar Deus ao diabo.
Se você é
Cristão e deseja ler esta obra sem repudiá-la é preciso ter uma mente aberta.
Saramago não se propôs a negar a bíblia, mas a reinterpreta-la e criar uma obra
ficcional com base em suas intepretações. Saber disso é fundamental para
apreciar a obra e não fazer críticas injustas.
Ler este
livro foi uma experiência sem par. Nela, tive a oportunidade de me encontrar
novamente com ensinamentos cristãos de uma forma mais adaptada aos dias que
correm. E isso ocorreu por meio de uma leitura repleta de cenas marcantes e que
já me fazem falta.
Apesar das
dissidências com a bíblia, pude ver nessa obra a ilustração de Jesus Cristo
como um herói dos párias e dos oprimidos, e não como o tipo de herói épico. E isso
também pode ser encontrado na bíblia.
Imagino que
não deva ter custado poucos esforços os estudos empreendidos pelo autor para a
concepção desta obra. Conforme disse ao longo da resenha, as dissidências entre
a obra e os escritos bíblicos poderão incomodar diversas pessoas. Contudo, se
você é uma pessoa mais flexível em relação aos dogmas religiosos e tem a
consciência de que esta obra é puramente ficcional, “O Evangelho segundo Jesus
Cristo” possui grande potencial de marcar a sua vida.
Autor da resenha: Felipe Germano Monteiro Leite
O Evangelho segundo Jesus Cristo
(1991) | Ficha
técnica:
Autor: José Saramago
Páginas: 376
Nota: 10/10
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