[Resenha] O Mandarim - Eça de Queiroz
Sinopse: A
escrita de Eça de Queirós narra a história de Teodoro, um jovem ambicioso que
trabalha como amanuense em uma pequena repartição de Lisboa e sonha em deixar a
vida modesta para trás. Uma noite, enquanto lê um livro em seu quarto de
pensão, Teodoro é surpreendido pela personificação do demônio, que pede ao
jovem para tocar uma campainha. A princípio, o pedido pode parecer inocente e
até um pouco sem sentido, mas traz um fundo macabro. Caso Teodoro de fato toque
a campainha, o mais poderoso dos mandarins morrerá do outro lado do mundo. Em
troca, o português receberia a boa fortuna da vítima. Aos poucos, Teodoro se
deixa convencer pelo discurso sedutor do diabo e, por fim, faz o que lhe é
pedido. Resta-lhe agora conviver com as consequências do ato; entre elas, uma
enorme riqueza e o fantasma de um mandarim.
Opinião: “O
Mandarim”
Foi em
novembro de 1845 que nasceu na cidade de Póvoa de Varzim o escritor Eça de
Queiroz, hoje considerado um dos nomes mais importantes da literatura portuguesa e, por que não, da literatura mundial. Em 1855, após se mudar e ingressar no
Colégio da Lapa, Eça se aproxima da literatura sob a influência do filho de um
professor.
Em meio a
uma crise que permeava todos os setores sociais e, em especial, os ligados ao
meio rural, o Romantismo está a poucos anos de deixar a sua periodicidade em
Portugal. A revolta de camponeses na região do Rio Minho em 1846 e a revolta da
Pauliteia de 1847 deixaram claro o desgosto da sociedade com a condução dos
dirigentes do país tendo como base ideais burgueses.
Nesse
contexto, surge em 1865 a Questão Coimbrã, a qual deu origem ao Realismo em
Portugal. O último atingiu o seu ápice com a Geração de 70, que teve como
principais nomes Eça de Queiroz, Antero de Quental, Téofilo Braga, Oliveira
Martins e outros autores.
Cinco anos após a publicação de “O Crime do Padre Amaro” em folhetins, Eça de Queiroz publica “O Mandarim”. Embora compartilhe diversas características em comum com as demais obras do autor, a desta resenha possui traços de fantasia e elementos atípicos para a escola a que ele é filiado. Por esse e outros motivos, "O Mandarim" foi considerada por diversos estudiosos como uma obra de menor renome quando comparada às suas obras mais fieis ao Realismo.
Na trama, o
amauense Teodoro vivia como hóspede da viúva D. Augusta com uma parca renda. Não
tendo crença em Deus ou no diabo, certo dia Teodoro recebe uma visita do
último. Seduzido pela oportunidade de herdar a fortuna de Ti-Chin-Fu, Teodoro
toca uma campainha que se materializou a seu lado durante a visita do satanás e
ceifa a vida do mandarim.
Seria
ilusório crer que ninguém sairia prejudicado após Teodoro herdar a fortuna de
Ti-Chin-Fu. A sua família sofreu os piores danos da sua morte. A consciência de
Teodoro não o perdoa e ele se vê na contingência de viajar à China para mitigar
os malefícios que a sua decisão acarretou à família do mandarim.
Antes de
iniciar a leitura desta obra, eu já estava acostumado à linguagem que Eça de
Queiroz emprega em sua narrativa. Contudo, na obra aqui resenhada o
rebuscamento das palavras me causou um grande incômodo. Alguns escritores
costumam elevar o nível vocabular de suas histórias como um recurso para
promover a imersão do leitor no enredo.
Em “O
Mandarim”, a linguagem rebuscada representou para mim um grande obstáculo para a sua compreensão, e sem nenhum uso estratégico. Além disso, a narrativa do autor foi demasiadamente
descritiva. É comum às obras do Realismo descrever ambientes em uma grande profundidade
de detalhes como uma forma de imprimir força de realidade ao enredo.
No presente
livro, o excesso de descrições constituiu um estorvo para o acompanhamento da
história. Devo fazer uma ressalva: uma vez que o enredo se passa em um único
ato, as descrições do autor foram importantes para dar profundidade psicológica
aos personagens e verossimilhança às cenas narradas.
As extensas
descrições feitas por Eça de Queiroz representam uma marca das obras do
Realismo: a de descrever a realidade tal como ela é. Outro traço dessa obra em
comum com o Realismo está na construção dos personagens.
Nas obras
da referida escola, eles não são idealizados. Geralmente são pessoas em que
virtudes e falhas morais habitam uma mesma mente. Além disso, eles são usados como
ferramentas para denunciar hipocrisias e preconceitos sociais. Por meio de
Teodoro, Eça satirizou a busca por riqueza a qualquer preço.
“O Mandarim”
não é portadora apenas de características marcantes do Realismo, mas também de
outras obras de Eça de Queiroz. O autor é habituado a inserir em suas histórias
o conflito entre a tentação e a consciência. Em “O Crime do Padre Amaro”, por
exemplo, ele expôs a tensão entre desejos carnais e a consciência.
Eça é
realista ao criar personagens. Ele não busca neles mostrar como os seres humanos
deveriam ser, mas como eles são na realidade. Enquanto o padre Amaro deixa a
tentação carnal prevalecer sobre a sua consciência ao tornar-se amante de
Amélia, Teodoro o faz a partir do momento em que mata um homem para herdar a sua
fortuna.
Contudo, “O
Mandarim” também possui características que a tornam diferente tanto das obras
do autor quanto das do Realismo. A sátira aos costumes, grande marca do autor,
aqui mostra uma presença mais tímida. Explicitamente, pelo menos.
Em “O
Mandarim”, encontramos traços de fantasia. Alguns críticos literários chegaram
a considerar essa obra como a mais distante do Realismo em função disso.
Contudo, foi por meio do diabo que Eça metaforizou a sua crítica à burguesia, ainda
que de modo pouco explícito.
O diabo da
obra possuía feições burguesas. Também há comparações entre o diálogo entre
Teodoro e o diabo e o entre Eva e a serpente do Paraíso. Apesar de ser
portadora de elementos da literatura fantástica, não podemos considerar “O
Mandarim” como uma obra do gênero. E o motivo é bem compreensível: o fantástico
não desempenha um papel tão importante no enredo.
Enquanto
lia esse livro, um dos pensamentos que mais vinham a minha mente era o seguinte:
havia necessidade de contar uma história tão curta em quase 100 páginas? O livro
é curto, mas enquanto o lemos é possível que achemos isso muito para o que o autor
quis contar. Após concluir a história, tenho como resposta um sim.
Embora o enredo dessa história seja breve, enriquecê-lo com descrições foi fundamental para provê-lo de profundidade psicológica e fazê-lo transmitir as críticas que Eça pretendia fazer. Os seus personagens não são do tipo que me cativam, mas eles não são essencialmente irritantes. Apesar do cansaço que a linguagem do autor me impôs no começo da leitura, “O Mandarim” conquistou o meu apreço.
“O Mandarim” foi a obra mais curta que eu já li de Eça de Queiroz. Para ser bom, um livro não precisa ser grande. E o aqui resenhado foi bom o suficiente para me agradar. Contudo, se eu compara-lo com os outros livros do autor, esse foi o que teve o menor grau de apreciação de minha parte. E eu apontei na resenha alguns pontos que me incomodaram. A despeito deles, devo dizer que “O Mandarim” é uma grande obra, e que eu a recomendo a quem deseja conhecer melhor o autor.
Autor da resenha: Felipe Germano Monteiro Leite
O Mandarim (1880) | Ficha técnica:
Autor: Eça de Queiroz
Páginas: 100
Nota: 7/10
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