[Resenha] O Bem-Amado - Dias Gomes

 



Sinopse: O autor, responsável por retumbantes êxitos teatrais e cuja obra tem por denominador comum a contestação política e social, fornece ao leitor um irresistível retrato dos costumes da vida de um lugarejo do interior baiano, ordeiro e pacífico, para inauguração de um cemitério – plataforma política de seu ambicioso prefeito, Odorico Paraguaçu. O problema: ele precisava providenciar um morto.

Odorico, o Bem-Amado, é a encarnação, em escala provinciana, de personagens bem mais sinistros da vida política latino-americana, ditadores, caudilhos, demagogos de todos os tipos, e cujo perfil ora cômico, ora patético, a rica imaginação do autor delineia de forma precisa e contundente.

Naturalmente, o protagonista é também um ser humano em crise. O vácuo entre suas pretensões de grandeza, que comicamente se revelam na empolada linguagem, e a triste realidade de uma região, para ele frustrantemente subdesenvolvida, acentuam as contradições de sua existência e da própria política que ele representa e personifica.


Opinião: "O bem-amado"

Foi no dia 18 de setembro de 1950 que ocorreu a inauguração oficial da televisão brasileira. Na década de 1960, as novelas que comumente eram transmitidas em rádios passam a ser exibidas na televisão. Naquele decênio, Dias Gomes lança “O Bem-Amado”, uma peça teatral que deu origem à primeira novela exibida na televisão em cores brasileira. 

A peça irá nos contar uma história do município de Sucupira após o coronel Odorico chegar ao poder. Antes desse evento, a cidade baiana não possuía cemitérios, o que causava grande indignação em seus habitantes, que precisavam se deslocar a outros municípios para enterrar entes queridos. E foi essa indignação a responsável pela ocupação da prefeitura por Odorico.

Chegando lá, Odorico torna a construir o cemitério. Tal atitude poria fim aos problemas da cidade? Definitivamente não. A população de Sucupira passou a se queixar do descaso da prefeitura em relação a outras prioridades, no caso a luz e a água. Para completar, não havia ninguém a ser enterrado no cemitério.

Algumas peças costumam exigir maiores esforços do leitor. A leitura de “O Bem-Amado” foi bastante simples. A sua conclusão requereu poucas horas para mim, e eu sou um leitor bem analítico. E um dos fatores mais decisivos para isso esteve no emprego de uma linguagem descomplicada.

Na década de 1930, ocorre a consolidação das propostas modernistas no Brasil, as quais foram engendradas no estado de São Paulo no decênio anterior. O movimento passou a extrair da cultura popular elementos para a concepção de novas obras. Nesse contexto, o falar dos habitantes torna a adquirir uma representatividade cada vez maior em suas produções.

Com o passar do tempo, o Modernismo passou a marcar presença em todas as regiões do país. “O Bem-Amado” foi uma obra pertencente à terceira fase da escola, e a representatividade concedida ao falar dos habitantes de Sucupira fizeram dessa peça uma obra bem simples de ser lida.

No período em que a obra foi escrita, o Brasil passava por grandes mudanças no cenário econômico. Todas as forças políticas defendiam a modernização brasileira, divergindo apenas quanto ao caminho para alcança-la. Contudo, mesmo em meio a esse cenário era possível constatar uma permanência de estruturas sociais contrastantes, como por exemplo a convivência do tradicionalismo rural com os avanços modernizadores do meio urbano.

Naquele contexto, a televisão passa a representar o principal veículo de comunicação de massa em território nacional e a imprensa adquire uma importância crescente no país. Antes da chegada de Odorico à prefeitura, acreditava-se na inexistência de uma necessidade de haver uma imprensa em Sucupira, tendo em vista a escassez de problemas que a acometiam. 

E é em função do surgimento de novos problemas que a imprensa se volta contra ele. Odorico previsivelmente se incomodou com isso. Ele se queixa da situação, alegando que desde o princípio ela foi contra a construção de cemitério. 

O município de Sucupira, na realidade, não existe fora da ficção. Acredita-se que a sua criação tenha sido inspirada na ilha de Itaparica. Sucupira constitui uma representação do Brasil tradicional e nela encontramos personagens portadores de um estilo de vida semelhante ao de habitantes das cidades interioranas do nosso país. Também vemos em Sucupira a ilustração das relações de poder presentes nas pequenas cidades brasileiras, a exemplo do Coronelismo e a ocupação de cargos públicos e da influência das famílias oligarcas sobre processos de decisão políticos.  

Dias Gomes não se restringiu a retratar o Brasil tradicional. Ele expôs diversas críticas a respeito. A partir da chegada do médico Juarez à cidade, na telenovela, vimos ferozes críticas ao hábito de Odorico fazer uso indevido dos poderes públicos para atender interesses próprios, governando para si próprio e não para o povo. Também vemos no médico um certo engajamento em disseminar tais críticas à população, promovendo a sua conscientização. 

A temática feminista também participou da obra. Ela estimulou o desejo feminino por independência, o qual se tornou cada vez mais presente na sociedade brasileira nos anos que se seguiram à publicação da obra. Por meio das irmãs Cajazeiras, na obra, o autor expôs o quão malvistas são as mulheres solteiras. Ele contribuiu, também, para o surgimento da necessidade de se dissociar o casamento do sexo. 

Estes foram as temáticas da obra que mais atraíram a minha atenção. Ela também abordou temas como a liberdade de imprensa, falhas do funcionalismo público e os malefícios de se conviver em uma sociedade acomodada com o que lhe é imposto.

Além de possuir uma narrativa leve e simples, “O Bem-Amado” é repleto de momentos de humor e crítica social. É uma história bem completa e fechada. Isso, aliado a sua criticidade, explica por que ela conquistou o meu apreço. Contudo, não obteve de mim um grau máximo de apreciação. Há muito não leio peças, o que talvez explique a razão de eu estar enferrujado para formular uma justificativa pormenorizada, mas a desta resenha não despertou em mim o desejo de ler mais livros do gênero. 

A obra termina com um desfecho extremamente coerente. Do meio para o final, ocorrem muitas coisas injustas e, se você gosta de histórias em cujo final ocorre justiça, “O Bem-Amado” possui grande potencial de conquistar a sua afeição. Embora o livro não tenha conquistado um apreço tão grande de minha parte, ele deixou em mim o desejo de ler mais obras do autor. Esta foi a primeira que eu li, e eu não descarto a hipótese dele me agradar mais na minha próxima leitura. 

Autor da resenha: Felipe Germano Monteiro Leite


O bem-amado (1962) | Ficha técnica:

Autor: Dias Gomes

Páginas: 124

Nota: 8/10


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