[Resenha] Relatos de um gato viajante - Hiro Ariwaka
Sinopse: O gato Nana
está viajando pelo Japão. Ele não sabe muito bem para onde está indo ou por
que, mas ele está sentado no banco da van prata de Satoru, seu dono. Lado a
lado, eles cruzam o país para visitar velhos amigos. O fazendeiro durão que
acredita que gatos só servem para caçar ratos, o simpático casal dono de uma
pousada que aceita animais, e o marido abandonado pela esposa que ama animais.
Mas qual é o motivo dessa viagem? E por que todos estão tão interessados em
Nana e Satoru? Ninguém sabe muito bem o que está acontecendo e Satoru não diz
nada, mas quando Nana descobrir o motivo da viagem, seu pequeno coração passará
por uma das mais difíceis provas de suas sete vidas. Narrado em vozes
alternadas, esse romance emocionante e divertido nos mostra um jovem de grande
coração e um narrador-gato muito esperto, numa amizade que desafia as
fronteiras de um país e da própria vida.
Opinião: “Relatos
de um gato viajante”
O início da
relação entre homens e gatos remonta a uma data longínqua. No período
situado entre os anos 12000 e 10000 a.C, ocorre o desenvolvimento da agricultura
e o homem abandona o nomadismo. O armazenamento de alimentos atraía roedores. Os
últimos, por sua vez, atraíam os gatos.
Eis quando
ocorre o estabelecimento do vínculo entre homens e felinos. Desde então, cada
sociedade humana passa a atribuir valores singulares aqueles animais domésticos. No
Egito Antigo, o gato representava a civilização. Na Índia, constituía um
símbolo da beatitude. Eles foram proscritos pela tradição mística judaica enquanto que pelos
mulçumanos foram animais domésticos agraciados pela sua limpeza.
Na
Literatura, aparições de gatos não são raras. Edgar Allan Poe com suas
narrativas de terror e mistério concebeu um conto sobre um gato preto. Em “O
Gato de Botas”, conto de fadas do autor francês Charles Perrault, há a
ilustração de aspectos comuns aos gatos que encantam várias pessoas. Lewis
Carrol, por sua vez, trouxe um gato filosófico em “Alice no País das Maravilhas”, o qual teve uma participação bem decisiva no enredo.
No Japão, há
um grande fascínio das pessoas por gatos. Eles integram a cultura, misticismo e
tradição japoneses. Enquanto admirador do país, os vejo aparecendo com algum
destaque em filmes e animes. Em se tratando de Literatura, Natsume Soseki é o
autor do clássico “Eu Sou um Gato”, o qual ainda não li. Em “Relatos de um gato
viajante”, livro a que essa resenha se dedica, vi uma história suave e cativante que não apenas me agradou como despertou o meu interesse em conhecer melhor
o referido autor.
Na trama, um gato ainda sem dono sofre um
acidente de carro. A partir desse momento, ele é acolhido por Satoru Miyawaki.
Devido ao formato de sua cauda, o gato recebe o nome de Nana, que em japonês
significa sete. A título de curiosidade, o nome do antigo gato de Satoru se
chamava Hachi, que em japonês significa oito. Cinco anos depois, Satoru não
pode mais prosseguir cuidando de Nana e decide procura-lhe um novo dono. Nessa
procura, empreende uma grande viagem.
A escrita
de Hiro Arikawa no livro é extremamente cativante. Eu não sou devoto de
histórias sobre animais de estimação, mas a contida em “Relatos de um gato
viajante” é maravilhosa e isso possui uma participação decisiva da escrita da
autora. A narrativa é feita em primeira e terceira pessoa.
Nana é um
dos narradores. Os trechos por ele narrados possuem um ar de comicidade. Neles,
podemos compreender como o gato de Satoru pensa diante do mundo e como ele se
sente perante o convívio com os seres humanos cujas ações repercutem sobre sua
vida. Também há um narrador onisciente, o qual narra a história sob uma
perspectiva mais ampla.
Uma das características mais marcantes do livro é o sentimentalismo. E Hiro Arikawa soube dosá-lo de forma a tornar a história tentadora. A autora evoca o passado de Satoru para unir pontas as soltas que vai deixando pelo enredo. Duas coisas não foram explicadas de forma satisfatória pela autora: o motivo por que Satoru não poderia continuar com Nana e o destino do gato após o final da história, o qual não posso revelar por comprometer a qualidade da leitura. Não consigo formular uma explicação, mas aspectos como esse que me incomodariam em outros livros não me incomodaram no aqui resenhado.
O final da história é emocionante, mas injusto. Explico. Ao longo da viagem em busca de um novo dono para Nana, Satoru realiza grandes descobertas sobre si mesmo. A viagem contada no livro é uma espécie de jornada que leva ao autoconhecimento. E o desfecho do livro ocorre após o seu término. Quem já leu entenderá. Quem ainda não, devo avisar que já está diante de mais um motivo para ler a obra.
A história
possui alguns elementos em comum com as fábulas. O referido gênero surgiu no
Oriente e adquiriu uma nova roupagem no século VI a.C pelo grego Esopo. Ele
possui histórias cujos personagens são animais e que possuem como propósito
transmitir ensinamentos sobre a moral e os bons costumes.
Uma das
características mais marcantes das fábulas está no fato de que os animais se
comportam como humanos. “Relatos de um gato viajante” até certo ponto humaniza
o gato Nana. Até certo ponto, repito enfaticamente. Hiro Arikawa não ilustrou
os gatos como seres com comportamentos humanos.
Ao
contrário, ela buscou mostrar como Nana se sentia diante das atitudes de seu dono.
Além disso, não podemos constatar uma intenção moralizante na obra. Vemos na
maior parte da história a tematização do convívio do homem com o gato.
O livro é
recheado de referências à cultura e ao folclore japonês. Em um momento da
história é mencionado o filme “Meu Amigo Totoro”, um clássico do Studio Ghibli.
Quem aprecia a cultura japonesa certamente verá várias outras alusões na obra.
O livro também visita paisagens famosas do Japão, como é o caso do Monte Fuji.
Há duas características da obra que a tornam singular perante outras histórias com a participação de gatos que eu já li. A primeira delas é a simplicidade, a qual torna a narrativa leve e comovente ao leitor. A segunda está no fato de que Hiro Arikawa não inseriu os gatos em aventuras épicas nas quais eles mostrariam habilidades sobrenaturais que realmente não possuem. Ela teve a empatia de empreender o esforço de tentar se colocar no lugar do gato para ilustrar a forma como ele enxerga o mundo. Para concretizar esse fim, a autora também chegou a apontar diferenças fisiológicas entre gatos e humanos
“Relatos de
um gato viajante” é uma história que não vai cativar o leitor por mostrar um lado
épico. O fará pela leveza e pelo sentimentalismo de sua narrativa. O livro é
curtinho e pode ser lido em um dia caso isso se deseje. Porém, apreciar a
história com menos pressa vale a pena: saber do que ocorre no final faz com que
uma releitura não agrade tanto quanto a primeira leitura ou com que haja uma
pequena ressaca literária. Recomendo o livro a qualquer pessoa, goste ela ou
não de ler, goste ela ou não de gatos ou de qualquer outro animal de estimação.
Autor da resenha: Felipe Germano Monteiro Leite
Relatos de um
gato viajante (2017) | Ficha técnica:
Título
original: Tabineko Ripoto
Editora:
Alfaguara
Páginas: 225
Nota: 10/10
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