[Resenha] Lourenço - Franklin Távora

 


Opinião: “Lourenço”

No anos 30 do século anterior, o Nordeste passou a ver no Regionalismo literário uma forma de criar uma produção autêntica, contrastando-se com o Modernismo brasileiro, que matinha um firme elo com a literatura europeia. Nas últimas décadas do século XIX, Franklin Távora plantou sementes cujos frutos contribuíram para o romance regionalista da década de 30.

A seu tempo, Távora viu o nacionalismo romântico influenciar o romance regional. Esse último exaltou as características regionais de uma forma idealizada. Não era raro, por exemplo, que índios aparecessem em romances de forma heroicizada e portando características que, na realidade, sequer possuíam. Em seus romances, Franklin Távora pôs em destaque a precariedade da vida do sertanejo, a propagação do banditismo e os malefícios que a ausência de uma educação de qualidade traz à sociedade. “Lourenço” carrega esses elementos de forma visionária, antecipando discussões contidas no romance regionalista de 30.

A história começa com Távora apresentando o contexto político e social do enredo ao leitor. Com a chegada de Félix José Machado ao poder, ocorreu a inauguração do pelourinho, escandalizando a nobreza pernambucana, a qual procurou o bispo D. Manuel Alves da Costa, que era consultado pelo governador antes dele tomar algumas decisões.

A título de curiosidade, o pelourinho foi destruído na Guerra dos Mascates, movimento nativista em que a nobreza de Olinda e os comerciantes portugueses de Recife se confrontaram. O bispo tenta apaziguar a nobreza pernambucana e a aconselha a não entrar em guerra com o governador.

Assim mesmo, alguns não descartaram essa hipótese, como foi o caso de Leão Falcão D’Eça. Também havia muitos insatisfeitos com a construção do pelourinho no interior de Pernambuco. O governador dispunha de muitos recursos para deter os insatisfeitos, além do apoio dos mascates.

A insatisfação da nobreza de Olinda chega à Goiana, cidade do interior da capitania. Ela possuía grande importância. Lá, um movimento de oposição contra Félix José Machado torna a se organizar. Cosme Cavalcanti, André Cavalcanti, Luis Vidal e André Vidal são alguns dos opositores. Eles organizam uma força contra o governador ao saírem de Goiana.

Em meio a esse contexto, Lourenço vive com a sua mãe de criação, Marcelina, em uma habitação localizada a uma distância de uma légua de Goiana. Marcelina, à época, era casada com Francisco. Futuramente, Lourenço vai a Recife e se encontra com Francisco. Lá, teve contato com um pouco da insatisfação em relação ao governador da capitania.

Mais tarde, após visitar Trucunhaem, Lourenço entra em contado com Falcão D’Eça, integrante da força contra Félix José Machado. Eis quando Lourenço começa a dela participar. 

A história contada em “Lourenço” é do tipo que o autor vai construindo os personagens, a ambientação, e o contexto social e político antes de inseri-los no enredo. Franklin Távora o fez por meio de uma escrita que não requer grande esforço para ser compreendida, embora o tempo seja um fator que produz mudanças significativas em uma língua. Outra característica marcante dessa obra é que nada é mencionado sem propósito, o que me agrada bastante.

Contudo, alguns detalhes mencionados pelo autor, os quais não despertam a atenção do leitor, acabam repercutindo sobre o enredo. Isso me deixou desorientado. Por isso, aconselho a realização de pequenas anotações durante a leitura dessa obra. Esse é um recurso que me ajuda quando não consigo me ater a uma história.

Durante o período em que a obra foi escrita, o Romantismo ainda estava em vigor no Brasil, mas já havia um cruzamento das características da escola com as ideias que um pouco mais tarde dariam origem ao Realismo e ao Naturalismo. “Lourenço” possui características que a tornam singular perante outras obras do Romantismo.

O mito do bom selvagem, criado pelo filósofo Jean Jacques Rousseau, impregnava diversas obras do Romantismo. Nelas, víamos os homens sendo ilustrados como seres bons pela natureza, mas corrompidos pela sociedade. Franklin Távora os ilustrava de outro modo. Ele acreditava que o homem possuía dentro de si sementes do bem e do mal, havendo a necessidade de instruí-lo quanto ao convívio em sociedade, no qual deveria conter os seus anseios para não prejudicar interesses coletivos.

Por meio de Lourenço, protagonista da obra aqui resenhada, Távora mostrou a importância da educação para que o homem aprenda a conter os seus instintos primários e a distinguir o bem do mal, o que possibilitaria um comportamento socialmente aceitável. Lourenço, em diversas cenas da obra, não conseguiu conter os seus impulsos e praticou atos vis.

Outro diferencial entre Távora e outras obras do Romantismo está no processo de construção de heróis. Enquanto no Romantismo eles costumavam ser pessoas bem vistas pela sociedade, como o burguês ou o índio, Távora tinha predileção por heroicizar pessoas marginalizadas. No caso de “Lourenço”, foi o matuto.

Para o autor, a educação era vista como uma ferramenta essencial para a formação do ser humano. Tanto no seio familiar quanto nas escolas. Por não haver recebido uma instrução adequada, Lourenço comete numerosos atos criminosos. Távora também destaca o papel da igreja para a contenção de instintos humanos ao narrar a vivência do personagem.

Apesar de suas atitudes condenáveis, Lourenço também comete atos louváveis e heroicos. Ele é o tipo de herói não virtuoso em conflito consigo mesmo e com as normas sociais.

O aspecto dessa história que mais me agradou está na profundidade psicológica de seus personagens, especialmente a de Lourenço. Até em comparação com livros contemporâneos que eu li o enredo de “Lourenço” é inovador e sem clichês. Não vemos nela a intenção de construir conflitos para exaltar heróis.

Ao contrário, Távora construiu uma história isenta de maniqueísmo no qual o seu protagonista, por não haver recebido uma instrução adequada, comete tanto atos heroicos quanto atos hediondos. O autor nos mostrou que sem educação, o homem não tem outra opção a não ser permanecer na selvageria.

Senti falta de algumas explicações na obra. Isso não me surpreendeu, uma vez que no prefácio da edição que eu li havia a advertência de que “Lourenço” possui uma interdependência em relação a “O Matuto”, outra obra de Franklin Távora. Não me incomodei com esse fato. 

“Lourenço” me agradou bastante. Porém, não tanto quanto “O Cabeleira”. A primeira não deixa de ser uma ótima e marcante leitura. Ambas revelam à sociedade a necessidade de prover o homem de instrução. A despeito disso, até hoje a educação brasileira possui numerosas deficiências. O caráter inspirador de “Lourenço” não se perdeu, e lê-lo não será uma experiência tediosa mesmo entre aqueles que não têm apreço por livros regionalistas. Deixo aqui a indicação de leitura.

                                      Autor da resenha: Felipe Germano Monteiro Leite



Lourenço (1878) | Ficha técnica:

Autor: Franklin Távora

Páginas: 152

Nota: 10/10



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