[Resenha] Drácula - Bram Stoker

 


Sinopse: Drácula é o mais famoso vampiro da literatura moderna e contemporânea, citado no Guiness Book como o monstro fictício com maior número de aparições na mídia -- diretas ou indiretas... Publicado originalmente em 1897, com inspiração em relatos do folclore romeno (coletados por Stoker) sobre a ocorrência de nosferatus, ou mortos-vivos, e na infame saga do Príncipe Vlad III Drakulya, o filho do Dragão. Voivoda (warlord) da Valáquia e Transilvânia que lutou contra os Turcos no Século XV. |...| O romance "Drácula" definiu o arquétipo do vampiro moderno como o ser diabólico que se alimenta do sangue de suas vítimas e tem poderes extraordinários... [Wikipedia] 'Dracula is an 1897 Gothic horror novel by Irish author Bram Stoker. Famous for introducing the character of the vampire Count Dracula'.' Além da significativa influência das fontes literárias em Drácula (Lord Ruthwen, o vampiro de John Polidori; Sir Francis Varney, o vampiro de James Malcom Rymer e a Condessa Karnstein de J. Sheridan Le Fanu são os ascendentes mais prováveis).


Opinião: "Drácula"

Histórias sobre vampiros remontam a datas bem mais longínquas do que geralmente supomos, e provém dos mais variados lugares e culturas. As vemos na antiga Babilônia, na Roma e na Grécia antigas, na Índia, na China e até na civilização inca. Em contrapartida, encontramos em “Drácula” de Bram Stoker um retrato sobre os vampiros que sobrevive até hoje no imaginário popular e dificilmente é ignorado por qualquer autor que conceba uma história sobre vampiros. Que virtudes da obra explicam essa realidade? Vale a pena lê-la nos dias que correm?

Em seu diário, Jonathan Harker registra a sua visita ao castelo do Conde Drácula. Bem recebido pelo conde, Jonathan não enxerga perigos em nele se hospedar. Com o passar do tempo, o mocinho nota que se tornou prisioneiro do vampiro. Ele tenta escapar do castelo, em vão.

Certo dia, Jonathan percebe estar na companhia de mulheres descritas por ele como horripilantes e decide empreender uma nova tentativa de fugir do castelo, alegando que preferiria correr o risco de morrer escalando as suas paredes a nele permanecer. O então narrador seria bem sucedido?

Somente lendo a obra para saber. Sem prosseguir com a narração da vivência de Jonathan, a história passa a ser contada por outros narradores, que também dela participam. Mina Murray e Lucy Westenra tornam a narrar a história por meio de uma correspondência de cartas.

Amigas de longa data, Mina e Lucy discutem sobre questões amorosas. Mina era noiva de Jonathan Harker, demonstrando nas cartas ama-lo imensamente. Lucy, por sua vez, aos 20 anos de idade recebe três propostas de casamento. É apresentando um novo narrador da história: o dr. Seward.

Com o avançar da narrativa, acontecimentos inexplicáveis tornam a ocorrer com Lucy. Eis quando todas as estruturas em que a história é contada tornam a se cruzar.

Ela é contada por meio de uma narrativa epistolar. Apoia-se em cartas, registros em diários e matérias de jornais. Esse tipo de narrativa não foi uma invenção de Bram Stoker, tendo surgido no século XVII e atingido o seu auge no século XVIII. Porém, ele foi muito bem empregado pelo autor.

O tom confessional dos diários e cartas trazem à história grande verossimilhança. Tudo é contado nos mínimos detalhes, fazendo com que a ela se torne absolutamente real na mente do leitor e com que ele partilhe das aflições dos personagens, sendo a eles empático.

Também podemos ver em “Drácula” uma influência da literatura gótica. Ela também não foi uma criação de Bram Stoker. É uma vertente do Romantismo que surgiu na Inglaterra em 1764, com o lançamento de “O Castelo de Otranto” por Horace Walpole. Em livros da literatura gótica, é comum encontrarmos castelos grandes e sombrios.

Em “Drácula”, ele foi o ambiente no qual ocorreram as principais ações do vilão. Um aspecto que diferencia a obra de Bram Stoker de obras da literatura gótica é que o castelo é apenas um dos muitos ambientes do enredo. Outra característica em comum entre “Drácula” e a literatura gótica está em seus personagens melodramáticos, cujas profundas emoções foram expressas por meio da narrativa epistolar.

Afirmei no primeiro parágrafo da resenha que a criação dos vampiros data de um período muito anterior à publicação de “Drácula”. Também não foi na obra que ocorreu a primeira aparição de vampiros na Literatura. Foi em “O Vampiro”, obra do inglês John Polidori, que ocorreu a introdução do vampiro no terreno da prosa.

Para a concepção do personagem, Bram Stoker se inspirou em lendas urbanas da Europa ocidental. No folclore europeu não há registros específicos de vampiros, mas de demônios e bruxas. O autor reuniu elementos deles para construir a sua representação de vampiro em  "Drácula”.

Além de lendas, Bram Stoker também estudou a História da Europa Ocidental para conceber " Drácula". Ao conhecer Vlad Tepes, príncipe da Valáquia, o autor obteve inspiração para a construção do seu vilão. Vlad Tepes também era conhecido como Vlad Dracul. Com ele, Drácula possuía grandes similaridades.

Vampiros possuem representações passíveis de reconstrução. Em “Drácula”, Bram Stoker trouxe coisas novas em relação a isso, algumas das quais sobrevivem até hoje. A fragilidade à água benta, ao crucifixo e ao sol são apenas alguns exemplos. 

Drácula era o vilão mais temível de sua época. Hoje, é o vampiro mais conhecido da ficção. Em um contexto no qual epidemias assolavam a humanidade, Bram Stoker retratou o vampirismo como algo transmissível. 

Drácula era membro de uma aristocracia e possuía características diabólicas, o que é diferente de representar o diabo bíblico em si. Habitando uma região situada entre o Oriente e o Ocidente, e constituindo uma criatura entre o vivo e o morto, o vilão dessa história encontrava-se entre o humano e o diabólico.

Em um contexto no qual a burguesia achava-se consolidada como a classe dominante da sociedade, Bram Stoker associou Drácula à aristocracia. Do ponto de vista da sexualidade humana, o autor vinculou tanto a aristocracia quanto a classe trabalhadora à prática desregrada do sexo, algo condenado pelos burgueses. O hábito de beber, partilhado pela aristocracia a pelos trabalhadores, foi associado a Drácula, representando algo a ser repelido.

Na obra aqui resenhada, Bram Stoker demonstrou mostrar grande confiança na ciência. Seguindo as tendências de seu tempo, o autor ilustrou tanto a ciência quanto o conhecimento como âmbitos restritos ao domínio masculino. À época, o papel da mulher na ciência naturalmente restringia-se a prestar apoio aos seus maridos, caso de Mina. Nesse aspecto, a obra contrasta com “Frankstein” de Mary Shelley.

Em “Drácula”, misoginia e vampirismo andavam juntos. Na época de sua concepção, a mulher clamava por independência financeira e sexual. Nesse cenário, o homem via os seus privilégios em risco, provocando em Stoker uma rejeição a esses anseios. Ao trazer vampiras à obra, ele metaforizou a transmissão de doenças venéreas como algo associado à independência sexual das mulheres.

Esse viés misógino por meio do qual Stoker retratou os clamores femininos de sua época possui associação com a sua biografia. Sua mãe era uma feminista de personalidade forte. Sua mulher, após o nascimento de seu segundo filho, recusou-se a manter relações sexuais com o autor. Isso o impeliu a procurar novas mulheres, levando-o a contrair sífilis.

Em contrapartida, a familiarização com o movimento feminista fez com que o autor ilustrasse a mulher como uma portadora das mesmas capacidades do homem no mercado de trabalho. Durante o enredo, por exemplo, poderes sobrenaturais de Drácula foram subjugados por uma mulher.  

Outra influência do contexto histórico e dos valores sociais da época sobre o enredo está na xenofobia. No século XIX, a Inglaterra encontrava-se no auge de seu império colonial. Índia, China e África eram algumas das regiões sob influência inglesa. Pouco antes da publicação de “Drácula”, a Transilvânia encontrava-se envolvida na Questão do Oriente.

Naquele contexto, havia o conhecido medo do reverso da colonização. Fundamentava-o a possibilidade do contato com culturas diferentes levar ao território europeu maneiras “inferiores” de manifestações culturais. No romance, há menção a invasões que a Inglaterra sofreu por parte de outros povos e a luta contra Drácula representou uma metáfora sobre a luta contra culturas e povos da Europa Oriental. 

A forma como essa história foi estruturada me agradou bastante. Bram Stoker soube criar uma atmosfera de mistério em relação a acontecimentos inexplicáveis e, com o avançar da narrativa, foi fornecendo explicações para eles. Tenho grande estima por histórias em que tudo se completa e explica e nada é mencionado ao acaso.

Muitas histórias com vampiros surgiram após “Drácula”. Vejo em livros de terror alguns aspectos da obra sendo aperfeiçoados por outros autores. Me surpreende que, apesar disso, a obra não tenha me parecido ultrapassada.

A linguagem empregada por Bram Stoker foi bem simples. Mais simples que muitos livros que não são clássicos. Simples, mas elegante. E fluida, algo que naturalmente consideramos ideal.

Conforme disse na resenha, Drácula foi o vampiro mais temível de seu tempo. Hoje, ele não me parece nada aterrador. Isso explica por que indico a obra mesmo a quem não goste de terror. A história contada na obra, por outro lado, continua incrível e muito bem estruturada. Todos os acontecimentos inusitados são explicados ao longo do enredo e as estruturas em que ele é contado se cruzam de forma a dar unidade ao livro. Do gênero terror, já o considero como um dos que marcaram a minha vida.


                                                                                                           Autor da resenha: Felipe Germano Monteiro Leite



Drácula (1897) | Ficha técnica:

Título original: Dracula

Autor: Bram Stoker

Número de páginas: 552

Nota: 10/10


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