[Resenha] Krystallo: Jornadas para Além das Fronteiras - Raphael Fraeman
Sinopse: As duas maiores potências de Emperon travam uma guerra secular para garantir o controle dos cristais de energia. Foi por causa de um atentado em Econ que Tomé Stalmer começou a suspeitar da verdade que o governo apregoava. E é no dia de seu aniversário que Gray Frost é forçada a deixar Opus, o seu lar. As jornadas para além das fronteiras narram uma história de piratas e soldados de elite, inteligência e mistério, confiança e tragédia. Cada um luta para sobreviver ao mesmo tempo em que busca compreender os segredos por trás dos acontecimentos que mudaram o curso da História.
Opinião: “Krystallo: Jornadas Para Além das Fronteiras”
Após o
final da Segunda Guerra Mundial, um rápido processo de mudança na configuração
política ocorre no mundo. Podia-se ver uma grande polarização do planeta em dois blocos,
um capitalista e outro socialista. Na América Latina, essa polarização exerceu
grande influência nos governos. Os Estados Unidos chegaram a apressar a
formação de alianças regionais com vistas a combater a expansão soviética e
comunista nos países latino-americanos.
À época, o
inimigo dos EUA não era mais representado pelos antigos regimes autoritários de
tendência fascista, mas por governos reformistas ou movimentos sociais capazes
de pressionar o governo por reformas políticas e sociais, o que prejudicaria os
interesses norte-americanos. Naquele período, a exportação de ideais
norte-americanos para o Brasil não se dava apenas por meio da ação de emissários
e viajantes.
Também
foram enviadas grandes expedições científicas ao Brasil. Diversas traduções
foram levadas ao nosso país por editoras estadunidenses. No cenário descrito,
era possível constatar uma grande influência dos autores estadunidenses sobre
os autores nacionais brasileiros.
A Guerra Fria
acabou há quase 30 anos, embora conflitos entre Rússia e Estados Unidos
instilem em alguns analistas políticos a crença de que elementos daquele período ainda
estão presentes nos dias de hoje. Ela chegou a inspirar diversos autores tanto
no período em que vigorou quanto após o seu término.
Em “Krystallo:
Jornada para Além das Fronteiras”, livro lançado pelo autor brasileiro Raphael
Fraeman em 2018, vemos um enredo ambientado em um mundo fantástico que muito se
assemelha ao contexto político da Guerra Fria.
Naquele
contexto, acompanhamos Tomé Stalmer, ao qual um dos focos narrativos do livro
se dedica. Ele morava em Econ e era o segundo filho de Ângela Stalmer. Era um
estudante com facilidade de aprendizado. Após alguns acontecimentos, um dos
quais mencionarei ao longo desta resenha, Tomé tem o seu celular roubado e, na
tentativa de recupera-lo, se envolve em grandes aventuras.
O outro
foco narrativo da história se dedica a jovem Gray Frost. Habitante de Opus, a
narração da vida de Gray nos permite conhecer melhor a potência. Em Opus, a
prática da escrita como um lazer era proibida. Educação e saúde eram gratuitas.
Gray era
exemplar tanto como filha quanto como aluna. No dia do seu aniversário, ela é sequestrada.
Inicialmente, explicações para o ocorrido não são fornecidas. Em meio ao
sequestro, acaba chegando a um navio, Katrina. A partir deste momento, passa a
vivenciar as aventuras narradas ao longo do livro.
Gostei
muito da forma como a história foi contada. Cada capítulo terminava em meio a
um acontecimento impactante que despertava a minha curiosidade a respeito do que
aconteceria no próximo em que o foco narrativo se encontrava. É uma história
para ser lida rapidamente.
Uma vez que
o enredo é dividido em dois focos narrativos, concluímos a leitura de um
capítulo diante de um gancho para dois capítulos a seguir. Isso estimula o
leitor a concluir a história em um breve espaço de tempo. A escrita do autor é
leve, o que impede a ocorrência da exaustão do leitor e permite que ele abstraia as
principais reflexões trazidas pela história.
Para mim, o
ponto forte da história está em sua originalidade. Raphael Fraeman reinventa
criaturas mágicas contidas em outros livros de ficção e os adapta ao universo
que criou em "Krystallo". O exemplo mais ilustrativo disso está na aparição dos
piratas.
Descrições
de piratas remontam há um tempo bem mais longínquo do que muitos imaginam. No
Mar Egeu, que banhava a Grécia Antiga, já havia piratas. Suas aventuras foram
narradas em “Odisseia”, de Homero. A partir do século XVI, temos o início da
era dos piratas. À época, a América estava dividida pelo Tratado de
Tordesilhas.
As terras estavam repartidas entre Portugal e Espanha, o que feria os interesses da
Inglaterra, França e Holanda. Naquele período, diversos navios foram aos mares roubar
riquezas dos territórios portugueses e espanhóis na América. Alguns recebiam
autorização estatal, os corsários. Outros, agiam ilegalmente, piratas.
Em diversas
produções fictícias, a aparição de piratas se baseia na tradição imaginada dos
piratas do Caribe do século XVIII e no capitão Gancho, personagem de Peter Pan.
É comum os vermos sendo ilustrados com tapa-olhos, próteses ou papagaios
nos ombros. A aparência que possuem geralmente é rude e eles são ilustrados
como pessoas portadores de um estilo de vida criminoso.
Em “Krystallo”,
os piratas não partilham as mesmas características da maioria de suas
aparições na ficção. As características suas físicas não são exóticas
como em outras representações que eles já tiveram. Os seus interesses
também não estão em roubar navios e novas terras.
Além disso, o desenvolvimento tecnológico da humanidade era bem avançado. Os piratas do livro chegaram a entrar em conflito, por exemplo, com aeronaves. A origem das associações entre eles são um mistério, mas ao longo do enredo o autor vai nos fornecendo pistas a respeito. Acredito que mais explicações virão nos livros seguintes da série.
O contexto
político de Emperom é bem semelhante ao do nosso mundo durante a Guerra Fria. A
disputa pelos cristais de poder entre Econ e Opus em muito se assemelha à
disputa por influência política entre Estados Unidos e União Soviética. O mundo
encontrava-se em perigo iminente de conflitos armados, mesmo cenário de Emperom.
Embora o planeta tivesse duas grandes potências em conflito, vemos em Emperon países que apesar
de apresentarem características próprias, estavam submetidos à influência de
Econ e Opus. Isso também chegou a ocorrer na Guerra Fria.
Em Opus,
assim como na União Soviética, havia uma grande restrição às liberdades
individuais. Os habitantes de Opus ganhavam o mesmo salário, o alistamento militar era
obrigatório e havia três opções de vida: trabalhar em uma fábrica estatal, ser
pesquisador do estado ou seguir a carreira militar.
Lá,
era proibido ficar acordado após as 23 horas. Apesar da pequena quantidade de
opções de vida, em Opus as vagas nas universidades possuíam uma concorrência
muito acirrada.
À medida
que Tomé e Gray atravessam grandes aventuras, o autor aproveita oportunidades
para refletir sobre importantes temas. A
meritocracia, o potencial destrutivo das guerras, a liberdade de expressão e
ilusões quanto a mudanças de governo são apenas alguns deles.
A impressão
que tive ao ler “Krystallo” foi a de que a principal intenção do autor era a de
apresentar ao leitor o mundo que ele criou. Essa construção ocorreu de forma
bem dinâmica. Muitos autores de fantasia chegam a cansar o leitor diante da
concepção do universo fantástico de suas histórias, o que esteve bem longe de
ocorrer no livro aqui resenhado.
O autor não
fornece explicação para tudo da história de forma estratégica, criando ganchos
para a continuação da série. O livro termina de um jeito que acreditamos que
ainda há muita história a ser contada nos próximos livros. Isso me agradou.
Contudo,
alguns dos elementos que o autor apresentou ao leitor não apresentaram participação
muito decisiva no enredo. Acredito que isso ocorrerá nos próximos volumes da
saga, o que faz com esse pequeno incômodo seja relevado.
Quando leio
histórias com dois ou mais focos narrativos, estou habituado a vê-los se
cruzarem antes do final. Isso não ocorreu em “Krystallo”, o que me causou
grande estranhamento. Também não acho justo penalizar o autor, uma vez que isso pode ocorrer na continuação da série. Um
livro de uma saga deve ser avaliado como a parte de um todo, ao qual ainda não
tive acesso.
Os únicos
aspectos negativos que, a meu ver, dignos de nota são o fato de as
personalidades de Tomé e Gray serem parecidas demais, o que é diferente de serem
iguais. Histórias com mais de um protagonista me agradam mais quando as
diferenças entre eles são marcantes. Apenas um gosto pessoal. Além
disso, um mapa me deixaria melhor situado quando o autor menciona países do
mundo que concebeu ou quando os personagens por eles passam.
“Krystallo”
é uma história escrita para agradar aos mesmos fãs de “Harry Potter”, “Jogos
Vorazes” e “Percy Jackson”. Ao construir uma história que reúne elementos das
séries supracitadas mesclando elementos de fantasia com os de narrativas
distópicas, o autor atinge o seu objetivo. Mas ele fez mais do que isso: criou
uma história completamente única e original diante de outras que temos a nossa
disposição. O livro aqui resenhado foi uma leitura bastante agradável para mim.
O indico a qualquer leitor devoto do gênero fantasia.
Autor da resenha: Felipe Germano Monteiro Leite
Krystallo: Jornada para Além das Fronteiras
(2018) | Ficha técnica
Título original: Krystallo: Jornada para Além das
Fronteiras
Páginas: 401
Nota: 9,5/10
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