[Resenha] O eterno marido - Fiódor Dostoievski

 


Sinopse: Escrito entre Os demônios e O idiota e descrito pelo biógrafo Joseph Frank como "uma pequena obra-prima", O eterno marido traz Dostoiévski em sua melhor forma como um dissecador implacável das peculiaridades e fraquezas do caráter humano.No meio da noite, um homem atende a uma batida na porta. O marido de uma antiga amante o espera na soleira, mas ele ainda não sabe se o romance foi descoberto. A partir dessa premissa, se estabelece um intenso debate intelectual, que levará os dois homens a conclusões devastadoras.Em O eterno marido, Dostoiévski destila toda a sua capacidade de construir enredos arrebatadores e ao mesmo tempo filosoficamente profundos. Ao revisitar temas caros ao autor, esta narrativa madura se revela um de seus romances curtos mais bem-acabados e uma das mais sensatas reflexões sobre a dualidade do amor.

Opinião: "O eterno marido"

Enquanto uma manifestação popular-social, o carnaval não representa um fenômeno literário. O carnaval está ligado à cultura social e representa uma forma de contestação e irreverência frente aos poderes constituídos. É no carnaval que a vida carnavalesca consegue neutralizar a distância posta pelos impedimentos hierárquicos habituais, permitindo aos homens o contato familiar sem as barreiras de classe e poder aquisitivo.

Além de eliminar as distâncias sociais, é no carnaval em que ocorrem a ocupação desordenada de espaços públicos e a contestação daquilo que se toma por absoluto. À transposição do espírito carnavalesco para a arte, Mikhail Bakthin atribuiuu o conceito do fenômeno de carnavalização. No campo literário, a carnavalização manifesta-se pela aproximação de elementos díspares e pela remoção de fronteiras entre estilos.

A carnavalização se embrenhou na Literatura e acarretou muitas mudanças para os gêneros ficcionais. Embora não possuam conexão direta com o espírito carnavalesco, diversas produções na Literatura deram novas interpretações para a matéria carnavalesca. Em “O Eterno Marido”, Fiódor Dostoievski dá uma nova complexidade à tradição carnavalesca, passando a abordar nuances do comportamento humano sobre as quais não se pode refletir em um decurso hierarquizado da vida.  

Na trama, Alexei Ivanovitch, ou Veltchaninov, estava em São Petersburgo em pleno verão. Se envolvera em um processo e não tinha expectativas de quando ele teria fim. Embora conseguisse despertar a atenção das mulheres, com quase 40 anos Veltchaninov sequer era casado. Certo dia, durante a madrugada, acredita que seu lar está em vias de sofrer uma invasão.

Na realidade, era Pavel Pavlovitch Troussotsky que estava a sua procura. Ele foi marido de Natalia Vassilievna, ex-amante de Veltchaninov. Pavel trazia consigo Lisa, sua suposta filha. Não tardou até Veltchaninov dar-se conta de que Lisa era, biologicamente, sua filha. Ao longo do enredo de “O Eterno Marido”, Dostoiveski aborda diversos temas, cabendo citar a infidelidade conjugal feminina, a relação entre o amante de uma mulher com o seu marido traído, a vaidade e o envelhecimento e importantes discussões filosóficas. 

A narrativa começa com a construção dos personagens. Apesar de extensa, ela é fundamental para que a história adquira complexidade. As descrições não são demasiadas, mas requerem a atenção do leitor para que ele compreenda a história.

Diferente do que muitos afirmam, em “O Eterno Marido” a escrita de Dostoievski não cansa o leitor e tão pouco é difícil de ser compreendida. Contudo, ela requer uma leitura pausada. Caso feita com atenção, adquire grande fluidez com os ganchos entre os capítulos criados com grande maestria pelo autor.

A história é extremamente verossímil. Dostoiévski construiu personagens com características psicológicas marcantes. As suas motivações foram muito bem explicadas. Algumas foram elucidadas no seu processo de construção, outras somente no decurso da narrativa. De uma coisa eu posso afirmar com segurança ao leitor desta resenha: “O Eterno Marido” não deixa pontas soltas.

 A obra satiriza o conflito entre o marido traído e o amante de sua esposa. Veltchaninov e Pavel Pavlovitch entram em conflito, mas se consideram grandes amigos. Têm desprezo um pelo outro, mas já chegaram a dormir em uma mesma cama. Se digladiam, mas se beijam. Tentaram se matar, mas se ajudam em momentos difíceis.

Pavel precisa de Veltchaninov para realizar o mínimo desejo. Ele percebeu a traição que sofrera de sua esposa após o seu falecimento. Apesar disso, uma das principais intenções de Pavel Pavlovitch ao procurar Veltchaninov era a de restabelecer laços de amizade. Isso não anula o fato de a dúvida habitar a fronteira entre as consciências desses personagens durante toda a história.

Houve uma tentativa de criar uma narrativa imparcial na medida em que o narrador não conta a sua própria história para construir uma boa imagem diante do público. Contudo, é visível que a narrativa seja tendenciosa, uma vez que o narrador tem pontos de vista favoráveis a Veltchaninov.

Não podemos menosprezar a importância do narrador por esse motivo. Ele usa o discurso indireto livre, dando contribuição para a miscibilidade romanesca ao combinar o discurso direto com o discurso indireto. Além disso, as atitudes e as falas dos personagens não fornecem conclusões precisas ao leitor, fazendo do narrador uma fonte de juízo para diversos fatos narrados no livro. 

Os personagens desempenham uma importância para a construção do enredo que não é inferior à do narrador. Falarei brevemente sobre cada um deles.

Alexei Ivanovitch tinha 39 anos. Era um homem sedutor e bem visto pelas mulheres. Embora ainda não fosse velho, a aproximação da terceira idade se fazia notar por pequenos lapsos de memória. Diferente de muitos protagonistas de outras obras de Dostoiévski, não tinha má sorte do ponto de vista financeiro. No início da história encontrava-se em um processo que poderia lhe trazer uma grande quantia em dinheiro.

Pavel Pavlovitch era viúvo da falecida Natalia Vassilievna. Há 9 anos não via Veltchaninov, amante de sua mulher. Alguns dos infortúnios ocorridos nesse período foram narrados, mas a ausência de um detalhamento massivo a respeito de como foi a sua vida nesse período contribui para o seu carisma enigmático durante a obra. Acreditava ser pai de Lisa, havida com Natalia Vassilievna. Ele deixa a menina com Veltchaninov e não muito tempo depois conhece uma nova mulher por quem se apaixona e decide com ela se casar.

Natalia Vassilievna é morta por uma grave doença poucos meses antes de Pavel Pavlovitch ir ao encontro de Veltchaninov. Nos primeiros capítulos do livro é explicada a sua relação com o protagonista da história, de quem foi amante. Ela não foi uma mulher de beleza e inteligência extraordinárias, mas conseguiu conquistar Veltchaninov e torna-lo seu amante.

Lisa era filha de Natalia e Pavel. Veltchaninov se enternece com a sua situação e percebe que ela era, na realidade, sua filha. Ela é deixada por Veltchaninov no lar de outra família, e pouco tempo depois nele sucumbe. 

Quando o nome de Fiódor Dostoiévski me é mencionado, as principais obras do autor que me vêm à mente são “Crime e Castigo” e “Irmãos Karamazov”. Já li uma porção considerável de livros do autor, e “O Eterno Marido” não possui uma qualidade inferior à média dos demais. Porém, se a compararmos com “Crime e Castigo”, por exemplo, constatamos que a qualidade do livro resenhado é inferior. Julgo “O Eterno Marido” como uma grande indicação de leitura, mas pelo motivo que citei anteriormente atribuí a nota ao livro. Ele não deixa, contudo, de ser melhor que muitos dos livros a que atribuí nota mais alta aqui no blog.

                                                                             Autor da resenha: Felipe Germano Monteiro Leite

Ficha técnica:

Título: O eterno marido

Autor: Fiódor Dostoievski

Ano de publicação: 1870

Páginas: 226

Nota: 8/10





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