[Resenha] O eterno marido - Fiódor Dostoievski
Enquanto
uma manifestação popular-social, o carnaval não representa um fenômeno
literário. O carnaval está ligado à cultura social e representa uma forma de
contestação e irreverência frente aos poderes constituídos. É no carnaval que a
vida carnavalesca consegue neutralizar a distância posta pelos impedimentos
hierárquicos habituais, permitindo aos homens o contato familiar sem as
barreiras de classe e poder aquisitivo.
Além de
eliminar as distâncias sociais, é no carnaval em que ocorrem a ocupação
desordenada de espaços públicos e a contestação daquilo que se toma por
absoluto. À transposição do espírito carnavalesco para a arte, Mikhail Bakthin atribuiuu o conceito do fenômeno de carnavalização. No campo literário, a carnavalização
manifesta-se pela aproximação de elementos díspares e pela remoção de
fronteiras entre estilos.
A
carnavalização se embrenhou na Literatura e acarretou muitas mudanças para os
gêneros ficcionais. Embora não possuam conexão direta com o espírito
carnavalesco, diversas produções na Literatura deram novas interpretações para
a matéria carnavalesca. Em “O Eterno Marido”, Fiódor Dostoievski dá uma nova
complexidade à tradição carnavalesca, passando a abordar nuances do
comportamento humano sobre as quais não se pode refletir em um decurso hierarquizado
da vida.
Na trama,
Alexei Ivanovitch, ou Veltchaninov, estava em São Petersburgo em pleno verão.
Se envolvera em um processo e não tinha expectativas de quando ele teria fim.
Embora conseguisse despertar a atenção das mulheres, com quase 40 anos
Veltchaninov sequer era casado. Certo dia, durante a madrugada, acredita que
seu lar está em vias de sofrer uma invasão.
Na
realidade, era Pavel Pavlovitch Troussotsky que estava a sua procura. Ele foi
marido de Natalia Vassilievna, ex-amante de Veltchaninov. Pavel trazia consigo
Lisa, sua suposta filha. Não tardou até Veltchaninov dar-se conta de que Lisa
era, biologicamente, sua filha. Ao longo do enredo de “O Eterno Marido”,
Dostoiveski aborda diversos temas, cabendo citar a infidelidade conjugal
feminina, a relação entre o amante de uma mulher com o seu marido traído, a vaidade e o envelhecimento e importantes discussões filosóficas.
A narrativa
começa com a construção dos personagens. Apesar de extensa, ela é fundamental
para que a história adquira complexidade. As descrições não são demasiadas, mas requerem a atenção do leitor para que ele compreenda a história.
Diferente
do que muitos afirmam, em “O Eterno Marido” a escrita de Dostoievski não cansa
o leitor e tão pouco é difícil de ser compreendida. Contudo, ela requer uma
leitura pausada. Caso feita com atenção, adquire grande fluidez com os
ganchos entre os capítulos criados com grande maestria pelo autor.
A história
é extremamente verossímil. Dostoiévski construiu personagens com características
psicológicas marcantes. As suas motivações foram muito bem explicadas. Algumas
foram elucidadas no seu processo de construção, outras somente no decurso da
narrativa. De uma coisa eu posso afirmar com segurança ao leitor desta resenha:
“O Eterno Marido” não deixa pontas soltas.
Pavel
precisa de Veltchaninov para realizar o mínimo desejo. Ele percebeu a traição
que sofrera de sua esposa após o seu falecimento. Apesar disso, uma das
principais intenções de Pavel Pavlovitch ao procurar Veltchaninov era a de
restabelecer laços de amizade. Isso não anula o fato de a dúvida habitar a
fronteira entre as consciências desses personagens durante toda a história.
Houve uma
tentativa de criar uma narrativa imparcial na medida em que o narrador não
conta a sua própria história para construir uma boa imagem diante do público.
Contudo, é visível que a narrativa seja tendenciosa, uma vez que o narrador tem
pontos de vista favoráveis a Veltchaninov.
Não podemos
menosprezar a importância do narrador por esse motivo. Ele usa o discurso
indireto livre, dando contribuição para a miscibilidade romanesca ao combinar o
discurso direto com o discurso indireto. Além disso, as atitudes e as falas dos
personagens não fornecem conclusões precisas ao leitor, fazendo do narrador
uma fonte de juízo para diversos fatos narrados no livro.
Os personagens
desempenham uma importância para a construção do enredo que não é inferior à do
narrador. Falarei brevemente sobre cada um deles.
Alexei
Ivanovitch tinha 39 anos. Era um homem sedutor e bem visto pelas mulheres.
Embora ainda não fosse velho, a aproximação da terceira idade se fazia notar
por pequenos lapsos de memória. Diferente de muitos protagonistas de outras
obras de Dostoiévski, não tinha má sorte do ponto de vista financeiro. No
início da história encontrava-se em um processo que poderia lhe trazer uma
grande quantia em dinheiro.
Pavel
Pavlovitch era viúvo da falecida Natalia Vassilievna. Há 9 anos não via Veltchaninov,
amante de sua mulher. Alguns dos infortúnios ocorridos nesse período foram
narrados, mas a ausência de um detalhamento massivo a respeito de como
foi a sua vida nesse período contribui para o seu carisma enigmático durante a
obra. Acreditava ser pai de Lisa, havida com Natalia Vassilievna. Ele deixa a
menina com Veltchaninov e não muito tempo depois conhece uma nova mulher por
quem se apaixona e decide com ela se casar.
Natalia
Vassilievna é morta por uma grave doença poucos meses antes de Pavel Pavlovitch
ir ao encontro de Veltchaninov. Nos primeiros capítulos do livro é explicada a
sua relação com o protagonista da história, de quem foi amante. Ela não foi uma
mulher de beleza e inteligência extraordinárias, mas conseguiu conquistar
Veltchaninov e torna-lo seu amante.
Lisa era
filha de Natalia e Pavel. Veltchaninov se enternece com a sua situação e
percebe que ela era, na realidade, sua filha. Ela é deixada por Veltchaninov no
lar de outra família, e pouco tempo depois nele sucumbe.
Quando o
nome de Fiódor Dostoiévski me é mencionado, as principais obras do autor que me
vêm à mente são “Crime e Castigo” e “Irmãos Karamazov”. Já li uma porção
considerável de livros do autor, e “O Eterno Marido” não possui uma
qualidade inferior à média dos demais. Porém, se a compararmos com “Crime e
Castigo”, por exemplo, constatamos que a qualidade do livro resenhado é
inferior. Julgo “O Eterno Marido” como uma grande indicação de leitura, mas
pelo motivo que citei anteriormente atribuí a nota ao livro. Ele não deixa, contudo,
de ser melhor que muitos dos livros a que atribuí nota mais alta aqui no blog.
Autor da resenha: Felipe Germano Monteiro Leite
Ficha técnica:Título: O eterno marido
Autor: Fiódor Dostoievski
Ano de publicação: 1870
Páginas: 226
Nota: 8/10
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