[Resenha] Yamesh - Feu Franco

 


Sinopse: Um escorregão e a vida pode mudar de repente e se abrir para caminhos extraordinários. Foi o que aconteceu comigo, um programador júnior que saiu de uma cidadezinha do interior, quando Shay, uma mulher misteriosa que conheci em um aplicativo, me faz viajar para outro mundo.

Como? Entrando em Gnose e descobrindo o poder que tenho em mim e que me transporta para Yamesh, um lugar onde estrelas viajam como vaga-lumes, pessoas moram em árvores gigantes e forças regentes influenciam nossas escolhas.

Logo me vi na calorosa tribo de Awana, onde uma luta que definiu o destino do povo estava prestes a acontecer e eu seria um dos lutadores. Mas todas as descobertas dessa aventura me fizeram crer que tinha algo errado com esse conflito. O curso da história da humanidade foi alterado… com eventos imprevisíveis.

E pensar que essa aventura começou porque a minha conta da Netflix estava bloqueada por falta de pagamento…

Neurocientistas nomearam de Estado Alterado; ocultistas, de plano-astral; Jung definiu como Inconsciente Coletivo. Uma parte de mim, carinhosamente, chama de casa e a outra pretende lhe apresentar como Yamesh: onde nasce a consciência.

Tenho muito a lhe contar. Preste atenção porque cada palavra importa. Aumente as chances da raça humana virando as páginas desse livro.

Em Yamesh a viagem mental nunca foi tão plausível… e tão surpreendente.

“TUDO QUE TEMOS DE DECIDIR É O QUE FAZER COM O TEMPO QUE NOS É DADO.” — Gandalf, o Cinzento.


Opinião: “Yamesh – Onde nasce a consciência”


J.R.R. Tolkien, C.S Lewis e outros autores de fantasia são vistos como cânones no estilo em todo o mundo. Em contrapartida, no Brasil há um parco estímulo à formação de escritores, o que tem como principal consequência o fato de narrativas fantásticas haverem sido enquadradas na Literatura de baixo escalão durante muito tempo. Nesse contexto, “Yamesh: onde nasce a consciência” emerge como uma história inovadora pertencente a um patamar superior ao da maioria dos livros de fantasia publicados no nosso país.

Na trama, Austin é um programador de softwares que trabalha na empresa Ninatec. Sua vida é simples. Em certa ocasião, não consegue assistir ao episódio de uma série na Netflix por problemas com o pagamento da assinatura. A situação se agrava no momento em que o seu computador decide quebrar.

Com o tempo, esses problemas foram sendo resolvidos. Enquanto isso, Austin instalou um aplicativo em seu celular. Certo dia, ele conhece Shay e em pouco tempo entra no estado de gnose. A partir desse estado, em momentos de dor, medo ou meditação o protagonista da história é levado a Yamesh.

Em Yamesh, Austin assume a forma de Rihu, um guerreiro de feições indígenas destinado a participar de uma grande guerra com vistas a defender a sobrevivência de sua tribo. Em Yamesh, a noção de tempo é distinta da Terra. Dias na Terra equivalem a minutos em Yamesh, por exemplo.

A narrativa de Feu Franco é coesa e fluida. Isso permite que uma leitura mais rápida seja feita sem prejuízos na compreensão da história. Ela ocorre em primeira pessoa. Narrar uma história nessa pessoa do discurso a tornaria parcial e não contemplaria o ponto de vista de diversos personagens caso ela fosse escrita por um autor destituído de talento.

Em “Yamesh”, o uso da primeira pessoa do discurso é um recurso que apreende a atenção do leitor, isso sem mencionar o diálogo entre autor e leitor em alguns momentos do enredo. Além disso, ao narrar a história em primeira pessoa, Feu Franco não se esquece de expor a perspectiva de personagens importantes.

Outra característica marcante da narrativa reside em sua intertextualidade. Livros, filmes, séries e animes são mencionados ao longo de todo o enredo. Stephen King é um autor habituado a inserir referências à cultura pop em seus livros, e acredito que ele tenha inspirado esse aspecto da narrativa de "Yamesh".

Em “Yamesh”, temas de relevância social são trazidos ao enredo. Em narrativas ficcionais, é comum encontrarmos povos indígenas sendo ilustrados como bárbaros a serem civilizados. No Brasil, o índio foi ilustrado na Literatura como um elemento diferenciador de nossa identidade nacional, tendo sido herói em diversas histórias.

Não obstante, em livros de fantasia brasileiros é raro vê-lo representado. Tendo em vista a diversidade cultural e étnica em nosso país, isso constitui um grave problema. Na contracorrente, “Yamesh” traz elementos indígenas aos heróis da história, reconhecendo a sua identidade cultural. 

Nosso país abriga praticantes de diversas religiões. Embora a sociedade brasileira seja predominantemente católica, assistimos a um crescimento expressivo de outros grupos religiosos nas últimas décadas. Atualmente, pela constituição o Brasil é um estado laico no qual todas as práticas religiosas gozam de liberdade.

Todavia, ao longo de toda a História algumas religiões foram alvo de intolerância, tanto no Brasil quanto no mundo. No início da era Cristã, por exemplo, diversos cristãos foram perseguidos e mortos. Outro caso marcante foi o do período colonial do Brasil, no qual assistimos à conversão imposta aos nativos ao Cristianismo.

Hoje, temos uma maior proteção aos direitos dos praticantes de qualquer religião. Em contrapartida, a intolerância religiosa ainda é presente no nosso país. Presenciamos a profanação de imagens religiosas, injúrias morais contra fiéis a determinadas crenças, tratamento desigual em estabelecimentos públicos e privados e ataques a templos.

Religiões de matriz africana são o principal vítima de intolerância no Brasil. Um dos atentados mais memoráveis da nossa História foi o da ialorixá Gildásia dos Santos, que faleceu em meio ao ataque de um tempo motivado pela intolerância religiosa. Em “Yamesh”, vemos a sua problematização em alguns momentos do enredo.

O universo que ambienta a história é muito bem construído. O seu mapa encontra-se em uma das primeiras páginas do livro. A forma como ele é desenvolvido ao longo da história é um de seus maiores trunfos. No processo, paisagens naturais brasileiras são fontes de inspiração para a ambientação de Yamesh, e animais de nossa fauna também. 

Nomes de muitos personagens são parecidos com os que Tolkien criou em "O Silmarilion". A gnose, estado que permite a Austin visitar Yamesh, é um conceito que existe fora da ficção. A sua participação na história sugere que ela teve a sua concepção precedida por um estudo profundo, algo essencial à criação de uma narrativa fantástica verossímil. 

Eu não me identifiquei tanto com Austin e outros personagens de "Yamesh". Isso não tem relevância, afinal eu também não me identifico com nem um dos personagens de "A Torre Negra" de Stephen King e ela não deixa de ser uma das séries favoritas da minha vida. O único aspecto de "Yamesh" que não me agradou foi o fato de em algumas momentos as discussões veiculadas no enredo e as alusões que o autor fez a outras narrativas ficcionais serem muito densas. 

Porém, isso não anula o fato de "Yamesh" carregar uma excelente história e nem o de ser um dos melhores livros de fantasia brasileiros dos últimos tempos. O livro transita entre a fantasia e a ficção científica. O fato de portar características de ambos os gêneros não compromete a qualidade da narrativa. Ao contrário, a enriquece e provê de complexidade.

"Yamesh" traz elementos que os leitores de ficção científica e fantasia apreciam em livros do gênero. Ele é repleto de referências e demonstra que é possível conceber uma narrativa original sem ocultar as inspirações de sua criação. O autor consegue apreender a atenção do leitor e fazer com que Yamesh possua um lugar único em sua imaginação. Trata-se de uma leitura dinâmica em que a ficção opera como um instrumento capaz de fazer importantes críticas sociais. É uma grande indicação de leitura!


                                                                                                  Autor da resenha: Felipe Germano Monteiro Leite


Ficha Técnica:

Autor: Feu Franco

Título: Yamesh – Onde nasce a consciência

Páginas: 398

Ano de publicação: 2020

Nota: 9,5/10


Comentários

  1. Que resenha sensacional. Obrigado demais por isso, Felipe. Obrigado mesmo.

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